São Paulo - Depois de um discurso inflamado no seu primeiro dia na RDC (República Democrática do Congo), o papa Francisco diminuiu o tom, mas manteve o enfoque político ao rezar uma missa ao ar livre na capital, Kinshasa, nesta quarta-feira (1º).

Tiziana Fabi/AFP

Francisco foi recebido por uma multidão de fiéis em aeroporto em Kinshasa
Tiziana Fabi/AFP Francisco foi recebido por uma multidão de fiéis em aeroporto em Kinshasa | Foto: Tiziana Fabi/AFP

Mais de 1 milhão de pessoas compareceram ao evento, realizado na pista de pouso de um aeroporto menor da cidade e voltado para membros do governo. Milhares dos presentes passaram a madrugada no local à espera do pontífice, em vigília.

Se na véspera Francisco tinham apontado o dedo para a comunidade internacional, segundo ele culpada de submeter o país africano a um "colonialismo econômico", desta vez ele se voltou aos próprios fiéis ao abordar a violência que assola a RDC há décadas - dados da ONU (Organização das Nações Unidas) indicam que conflitos armados desalojaram 5,7 milhões de congoleses internamente, e levaram quase um quarto da população de 96 milhões a enfrentar fome severa.

"A todos os habitantes deste país que chamam a si mesmos de cristãos, mas usam a violência, o Senhor está lhes dizendo: 'Abaixem suas armas, abracem a piedade'", declarou o pontífice, acrescentando que Deus desejava que seus fiéis tivessem "a coragem de conceder uns aos outros uma grande anistia do coração".

A viagem de Francisco se insere em um momento de aumento dos episódios sangrentos na ex-colônia belga, que assiste a guerras contínuas por disputas de minerais como coltan, usado em produtos eletrônicos. Mais recentemente, o ressurgimento do grupo armado M23, que conquistou amplas faixas territoriais na fronteira com a Ruanda, tem multiplicado os casos de violência. Há ainda a presença de grupos terroristas como o EI (Estado Islâmico).

A violência no país vem, porém, de muitos anos antes, e inclui ainda rebeliões no exterior que tiveram a RDC como base; disputas identitárias, sobretudo em relação a grupos falantes de idiomas ruandenses; e a própria incapacidade do Estado de lidar com os mais de cem grupos armados que se espalham pelo território.

O papa ainda afirmou na pregação que o povo congolês sofre com "feridas que ardem, continuamente infectadas por ódio e violência, enquanto o remédio da justiça e o bálsamo da esperança parecem nunca dar as caras". "Que bem nos faria limpar nossos corações do ódio e do remorso, de cada traço de ressentimento e de hostilidade", disse.

Na plateia, diversas mulheres usavam vestidos estampados com o rosto do papa, obedecendo a uma tradição de muitos países africanos de honrar dignatários, enquanto crianças assistiam à missa empoleiradas em um avião em busca de um ângulo melhor.

A visita de Francisco - a primeira de um pontífice à RDC desde os anos 1980, quando o país ainda se chamava Zaire - estava inicialmente prevista para o último mês de julho. Teve de ser adiada, no entanto, devido às dores no joelho do líder de 86 anos, que tem usado uma cadeira de rodas para se locomover, e também à intensificação da violência em Goma, cidade no nordeste congolês.

Francisco continua em Kinshasa até a manhã da próxima sexta (3), quando viaja para o Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo e também um dos mais pobres.

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