Edward Javier Silva Lopez, de 52 anos, passou pelo drama de perder o que tinha nas enchentes no Rio Grande do Sul. O uruguaio morava em Porto Alegre há um ano e meio, onde procurou um recomeço após ter ficado desempregado no país de origem. Quando a vida começou a melhorar, veio a água e levou tudo.

“Eu escolhi Porto Alegre, porque lá é muito parecido com Uruguai. É lindo e eu me sentia acolhido”, diz à reportagem da FOLHA.

No último dia 2 de maio, depois de ver a casa em que morava ser tomada pela enxurrada, Lopez pegou um ônibus e mudou para Curitiba. Chegou na capital paranaense apenas com a roupa do corpo e uma mochila.

“Muita gente perdeu sua casa, muita gente perdeu seu emprego, muita gente perdeu tudo. Eu perdi tudo, a água chegou no segundo pavimento da minha casa. Então vim para cá. Estou em busca de emprego, de uma oportunidade de recomeço”, comenta.

A situação vivida por Lopez é o que milhares de gaúchos estão enfrentando. Muitos tiveram os imóveis arrastados pela água e terão que recomeçar a vida praticamente do zero.

Eventos climáticos são conhecidos por fazer com que as pessoas procurem novos espaços para viver. Um exemplo é a geada negra que atingiu o Paraná em 18 de julho de 1975 e destruiu todas as plantações de café que existiam no estado. A temperatura atingiu 6ºC negativos e provocou estragos devastadores, especialmente na região de Londrina.

Ao acabar com a principal cultura agrícola do estado na época, a geada também tornou difícil a vida de vários moradores. Em consequência disso, 2,6 milhões de pessoas deixaram o Paraná, provocando transformações econômicas e demográficas por aqui.

Para a doutora em sociologia Aline Mara Gumz Eberspacher, professora do Centro Universitário Internacional Uninter, com sedes no Paraná e Rio Grande do Sul, a tragédia que atingiu o estado gaúcho pode provocar uma onda de migração das vítimas das chuvas para outros estados.

“Esses movimentos migratórios são comuns em situações como a que afetou o Rio Grande do Sul. No caso dos nossos irmãos gaúchos, na minha percepção, houve uma tragédia e esse movimento tende a acontecer para que encontrem novas oportunidades em outros espaços do Brasil. Como já existem gaúchos que abriram as portas, a tendência é que eles sejam melhor integrados no Paraná”, afirma à FOLHA.

Na região sudoeste do Paraná há uma grande concentração de gaúchos que chegaram ao estado entre 1940 e 1970. Somente nesta área, existem 38 Centros de Tradições Gaúchas, os chamados CTGs. Segundo a professora de sociologia, isso pode fazer com que muitos afetados pelas chuvas procurem essa região como novo lar.

“Partindo desse princípio, de que essas pessoas já estão instaladas ali e que existem os famosos CTGs, em que essa cultura gaúcha é muito forte, a gente pode entender que haverá um movimento migratório, porque tem alguém que vai receber, tem uma cultura instalada, tem hábitos já da população gaúcha. Então, não é chegar e desbravar, mas sim ter um acolhimento”, analisa.

Um estudo feito pelo pesquisador Pedro Tonon Zuanazzi, doutor em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), aponta que o estado gaúcho já enfrenta uma transição demográfica, nas últimas décadas, em razão das migrações. A maioria dos migrantes é formada por pessoas entre 20 a 35 anos.

Na análise de Aline Mara Gumz Eberspacher, a tendência é que o movimento, já indicado pela pesquisa, se intensifique.

“O Rio Grande do Sul foi o estado que mais teve perda de moradores, com a menor taxa de crescimento. Então, eles têm enfrentado um movimento migratório muito forte. O estado de um modo natural já tem encolhido, porque sobretudo os jovens de 20 a 25 anos têm saído do Rio Grande do Sul em busca de oportunidades. Aí abrimos outra reflexão: considerando toda a tragédia que eles enfrentaram, provavelmente isso vai impactar ainda mais na redução da população que está morando no Rio Grande do Sul”, pontua.