Brasília - O Ministério da Saúde adotou um procedimento informal para lidar com processos de Lai (Lei de Acesso à Informação) relacionados a temas que considera sensíveis, como aborto, emendas, pauta LGBTQIA+ e dados sobre a população yanomami.

O órgão comandado por Nísia Trindade passou a classificar como de "alto risco" estes assuntos e elaborar as respostas fora do Sei (Sistema Eletrônico de Informações), embora as próprias regras da Saúde determinem o uso desta ferramenta em todos os processos.

O novo rito também contraria recomendação da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre formalizar e divulgar qual fluxo é adotado para repassar os dados ao autor do pedido de Lai.

A relação de temas sensíveis ainda inclui os pedidos por informações sobre cannabis, atrasos em obras, dados de estoques, programa Farmácia Popular e a crise da dengue. A lista foi obtida em documentos internos da Saúde e confirmada por três técnicos do governo.

Questionado em 31 de maio e 11 de junho, o ministério não compartilhou qual fluxo adota para responder aos pedidos de informação. Não informou também por qual razão retira parte dos processos do sistema eletrônico. Em nota, a pasta negou a existência de barreiras ao acesso a dados ou restrição da transparência pública.

Ao menos desde o começo de 2024, integrantes do gabinete de Nísia, da Secretaria Executiva e da Ouvidoria do SUS (Sistema Único de Saúde) classificam como de alto ou baixo risco os pedidos de informação feitos à Saúde. O grupo chegou a ser chamado de "comitê de risco da Lai" em comunicados internos. A Saúde nega a existência deste comitê.

A orientação repassada internamente no ministério é que os temas de baixo risco podem tramitar integralmente dentro do Sei. Já aqueles que são considerados sensíveis devem entrar no fluxo informal que não é divulgado pela Saúde.

Nesses casos, as áreas técnicas são orientadas a apresentar as respostas por e-mail. O conteúdo é avaliado pela cúpula da Saúde e apenas a resposta consolidada volta ao sistema eletrônico para ser entregue ao autor do pedido.

Uma das diferenças entre os dois caminhos é que o Sei permite localizar as informações apresentadas pela área técnica e compará-las com a resposta final, enquanto os e-mails restringem a informação.

Para o advogado Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em Lai, o roteiro adotado pela Saúde para responder a estes processos deveria ser formalizado.

"Parece ter algo equivocado no que diz respeito ao tratamento da informação. É normal ter um fluxo, principalmente em órgãos tão grandes, como a Saúde. Se não está formalizado, há risco de se modificar essas regras sem transparência", diz Morassutti, que também assina a coluna Transparência Pública.

O advogado afirma que a Saúde precisa explicar por qual razão classifica um tema como de alto risco e qual é o tratamento dado a esses casos. "Se o critério for o de que afeta a imagem do ministério, não é válido."

Responsável por administrar os processos de Lai na Saúde, a ouvidoria da pasta teve três chefes diferentes desde janeiro de 2023, além de uma gestão interina.

Os assuntos usados para classificar pedidos como sensíveis e de alto risco são fruto de desgaste ao governo Lula e à ministra Nísia. Em fevereiro, a Saúde suspendeu os efeitos de uma nota técnica sobre procedimentos de aborto legal, ou seja, em casos previstos na legislação, por causa da pressão de bolsonaristas.

A ala conservadora da Câmara ainda articula a aprovação do PL 1904/2024, que coloca um teto de 22 semanas na realização de qualquer procedimento de aborto em casos de estupro no Brasil.

Em nota, o ministério diz que atua com respeito à legislação vigente, "e se pauta pela estrita observância da Lei de Acesso à Informação".

A pasta afirma que existe trabalho de coordenação para organizar as respostas. "Para que se assegure sua autenticidade, integridade e primariedade, visto que por vezes as demandas envolvem secretarias diversas dentro do Ministério da Saúde".

A assessoria de Nísia diz ainda que "repudia quaisquer ilações acerca da restrição de transparência pública e eficiência de seus processos" e que não existe "qualquer ação que dificulte o controle externo da sociedade civil em relação às respostas de demandas solicitadas via Lai".

A CGU declara que é responsabilidade dos órgãos definirem seus fluxos internos para o tratamento de pedidos de LAI. O órgão, porém, diz que "sugere como boa prática" que cada ministério "estabeleça fluxo interno, preferencialmente via portaria, com definição de competências, procedimentos e prazos", o que não é feito pela Saúde.