Impossível descrever Luiz Geraldo Mazza.

Melhor era acompanhá-lo às barrancas dos rios Iguaçu e da Várzea para pescar lambaris de rabo vermelho e ouvi-lo, espumando pelos cantos da boca e girando os braços como pás de ventilador, sobre qualquer assunto: política, economia, religião, arte, esporte, história, cultura, ética etc.

Ele falava aos borbotões, escorado em sua memória privilegiada e guardada em sua cabeça adornada por fartas e cerradas sobrancelhas como se fossem taturanas abraçadas, antenas do mundo. Em cascata, suas opiniões vinham de sua rouquidão cerebral, não raro passional.

Fazia isso onde estivesse, em plateias mais refinadas, salas de universidades, campos de futebol, academias etc. Ou em vários bares, no Stuart e Ligeirinho, no miolo da cidade, e em outros, pelos bairros. Ou em locais de trabalho: emissoras de TV ou rádio e especialmente em jornais.

Foi certamente o profissional entre os que têm maior espaço e respeito assegurados na imprensa paranaense, aquele para quem governadores e políticos, de qualquer partido, pediam conselhos etc. Foi o debatedor inflamado que passava boa parte de seu tempo batendo boca na Boca Maldita, sempre carregando revistas e jornais em seus sovacos. Traçava quilos de análises com uma segurança que fazia seus pares tremerem ou rirem. O homem, sem medo de errar, era um fato.

O interesse, o temor ou a concordância eram enormes com o que guardava a cabeça veloz do Mazza, mantendo viva a História (especialmente a paranaense). Num tribunal divino, ele seria testemunha ideal, e corrosiva, para o mundo da política desse estado e de sua sociedade. Causaria temores e tremores.

O anelão de advogado em sua mão esquerda denunciava sua formação profissional, concluída em 1954, mas ele nunca a exerceu. Aposentou-se como Procurador do Estado de terceira classe.

Foi mesmo é Jornalista na amplitude maiúscula da profissão. Com fôlego para lapidar as palavras como fez em sete décadas de jornalismo e crônicas, poesias e aforísticos, distribuídos não só em páginas de jornais e revistas ou pelas lentes da TV ou microfones de rádio, sempre com a mesma lucidez e, ao mesmo tempo, paixão.

O conheci, pelas páginas da Folha de Londrina, nos anos 1970, em textos bem-humorados ou ácidos e sempre inteligentes fosse um ou outro assunto, mas especialmente sobre política e futebol. Eu lia, embasbacado, duas páginas de texto sobre um Atletiba, por exemplo. Às vezes, ele deixava transparecer sua paixão alviverde, que ninguém é de ferro.

Desde quando me mudei para Curitiba, em 1986, acompanhei sua teima em descascar assuntos diversos nos jornais, rádios e em TVs ou rodas de amigos. Partilhei de sua companhia na Academia Paranaense de Letras, desde 2014, ou em sua mesa cativa do Bar Lusitano, próximo de minha casa e a caminho da sua, para onde ia sempre de ônibus, já que se negava a dirigir.

Em qualquer lugar, se revelava imprevisível e provocador. Discutia com a mesma ênfase tanto a política e economia mundial a capítulos de novelas, das quais era um aficionado. Definia-se um “boêmio de mentira, que adorava um rabo de galo” e adorava a convivência com seus seis netos e sete bisnetos.

Aliás, foi docemente imprevisível ao tomar posse da cadeira número 20 da Academia Paranaense de Letras, em novembro de 1998. Desrespeitando todos os itens do protocolo, declarou um poema fascinante à sua esposa, Lucy. Nascido aquariano, de 10 de fevereiro de 1931, em Paranaguá, como segundo dos dez filhos de Arnaldo e Nair, recebeu, em 1985, o título de Cidadão Honorário de Curitiba. Na ocasião, mostrou um papel e disse que leria um poema de Mallarmé. Após a declamação, um vereador lhe pediu o papel não só para guardar, mas para colocar em um quadro como algo que se revela como crença à humanidade. O papel estava em branco.

Embora nos últimos tempos se declarasse apartidário, nos anos 1960 militou no Partido Socialista, participou de greves e foi punido pelo Ato Institucional número 1 (AI-1), em 1964, por suas posições políticas. Como as que manteve com esse calibre: “O capitalismo anula a solidariedade entre as pessoas. Anula os grupos organizados, que são a forma de pressionar o desenvolvimento político, econômico e social da sociedade”. Sem pestanejar, dizia: “Sou de esquerda”.

A sua temperatura política não perdoava deslizes ou aplaudia justezas em qualquer campo, da esquerda ou da direita. Assim como reconhecia figuras brilhantes na história paranaense, da banda que fossem. Como o professor Belmiro Valverde Jobim Castor, de currículo extenso, considerado um homem de centro. “É a melhor e a maior cabeça do Paraná não só pela parte física como cerebral. De cultura abrangente, sem afetação, tem perfil acadêmico, mas conhecimento do mundo. Ele sabe exatamente como inserir o Paraná no mundo”.

A cultura do Paraná sempre esteve grudada no Mazza. Defini-lo, em qualquer ocasião e a sua importância para o Paraná, é algo difícil. Quem sabe só mesmo a frase cunhada pelo ex-governador Jaime Lerner, a acarinhar esse personagem: “Somos todos mazzaquistas”.

Nilson Monteiro é jornalista e escritor