A aprovação do projeto de lei (672/2023), que prevê mudanças nas regras para a escolha de diretores de colégios estaduais, desagradou professores da rede pública e especialistas em educação. A proposta do Poder Executivo, aprovada com emendas na semana passada, passou em Redação Final nesta segunda-feira (18), na Alep (Assembleia Legislativa do Paraná).

Segundo especialistas, a nova lei traz consequências pedagógicas para essas instituições de ensino, além de impedir a atuação da comunidade na escolha do diretor
Segundo especialistas, a nova lei traz consequências pedagógicas para essas instituições de ensino, além de impedir a atuação da comunidade na escolha do diretor | Foto: iStock

O projeto determina que os candidatos ao cargo terão que fazer um curso de gestão e educação pública, além de serem submetidos a uma avaliação antes de concorrer às eleições nas escolas. Os interessados também precisarão apresentar um plano de ação compatível com as políticas educacionais da Seed (Secretaria de Estado da Educação).

Segundo especialistas ouvidos pela FOLHA, a nova lei traz consequências pedagógicas para essas instituições de ensino, além de impedir a atuação da comunidade na escolha do diretor.

A professora Simone de Fátima Flach, do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), ressaltou que a gestão democrática no ensino público é um princípio assegurado no texto da Constituição Federal e reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

“A escolha de gestores escolares é, em essência, questão basilar para que a vivência democrática se torne real no cotidiano dos envolvidos. A escolha pela comunidade compromete o gestor com a qualidade social da educação. Quando governos conservadores retiram ou reduzem a possibilidade de participação popular na escolha dos gestores de escolas públicas, demonstram vinculação com práticas autoritárias de controle, as quais visam a subserviência da comunidade aos seus interesses. Sob tal lógica, os gestores escolares se tornam prepostos do governo, ou seja, se alinham aos interesses do governo que os indicou”, detalhou à FOLHA.

A professora também é integrante da Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), que emitiu nota de repúdio ao projeto de lei em trâmite no Paraná.

“A indicação de gestores escolares de forma unilateral (conforme interesses e compromissos governamentais) é uma prática que se distancia do princípio constitucional, impede o debate e o exercício democrático no contexto escolar e, por fim, colabora para a formação de pessoas conformadas e subservientes, colaborando para que a escola se torne ‘curral eleitoral’ do governante”, pontuou Flach.

Escolha de diretores sem aval da comunidade

O artigo 17 do projeto 672 prevê que a Seed escolha os diretores, sem a participação da comunidade, no caso de escolas cívico-militares e escolas de tempo integral, podendo ocorrer de forma terceirizada.

Atualmente, das 2.109 escolas estaduais do Paraná, 194 são cívico-militares. A preocupação da APP-Sindicato, que representa os professores estaduais, é que o governo já anunciou que pretende ampliar as escolas cívico-militares, atingindo o número de 400 escolas.

“Além do que, a lei prevê que em quase metade das escolas já não vai ter eleição para diretores, que é o caso das escolas integrais, cívico-militares, os CEBJAs (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos) que existem nas unidades penais e colégios que já não tinham mesmo, porque funcionam em prédios cedidos por entidades religiosas. Esse processo vai afunilando e restringindo a possibilidade de a comunidade escolar fazer a escolha direta da direção da escola. E pior, vincula à Seed a saída do diretor no meio da gestão, com a Secretaria podendo tirar o diretor caso ele não cumpra metas que a lei não diz quais são”, reforçou a presidente da APP-Sindicato, Walkiria Olegário Mazeto.

Para a professora Simone de Fátima Flach, o projeto aprovado pela Assembleia Legislativa é um retrocesso para as conquistas democráticas.

“É importante destacar que o processo democrático na educação ocorre de diversas formas. A escolha de gestores/diretores escolares pela comunidade é um importante exercício democrático, no qual toda a comunidade vive e aprende sobre a democracia. Esse processo participativo nos ensina o quão importante é o debate de ideias, o respeito pelo contraditório e a avaliação daquelas propostas que melhor atendem ao que a população necessita. Ao privar a comunidade desse processo, o governo opta em não oferecer oportunidade de debate e avaliação de propostas, não deixa a comunidade pensar sobre como está e aonde quer chegar. Portanto, menospreza a capacidade da comunidade escolar em traçar metas e objetivos a serem alcançados coletivamente”, lamentou.

Diretores não precisam atuar na escola anteriormente

O Paraná foi o primeiro Estado do país a estabelecer a nomeação de diretores escolares a partir de votação, em 1985. Desde então, as normas passaram por diversas mudanças e a que está em vigor atualmente foi definida em 2015.

Na legislação vigente, o candidato a diretor precisa estar há, pelo menos, seis meses atuando na escola. O novo projeto exclui essa determinação e permite que qualquer servidor, desde que tenha feito o curso e a avaliação, possa disputar o cargo. O que na avaliação da professora da UEPG é prejudicial ao ambiente escolar.

“O gestor escolar precisa conhecer profundamente a realidade em que atuará. Esse conhecer envolve não apenas ter acesso aos dados educacionais, mas conhecer o modo de vida da população atendida, suas dificuldades e suas potencialidades [...] Quando há a indicação de um gestor que não tem esse envolvimento e comprometimento, as ações podem estar atreladas aos interesses políticos do governo que o indicou e não, necessariamente, às necessidades da população atendida”, analisou Simone Flach.

No entendimento da diretora da Diretoria de Planejamento e Gestão Escolar da Seed, Graziela Andriola, esse ponto não traz tanto impacto, já que o tempo previsto na lei anterior era curto.

“Qualquer servidor que esteja dentro dos critérios para ser um diretor pode concorrer, então ele não precisa ter esse tempo de trabalho nessa escola [...] Na lei anterior, constava como seis meses de atuação. Em seis meses, uma pessoa não consegue ter conhecimento amplo da comunidade. Então, acredito que não faça muita diferença. Às vezes, a pessoa que não atuou nesta escola, mas mora ali na comunidade próxima, tem a chance de ser diretor. Está aberto para qualquer pessoa que deseja ser diretor, desde que faça o curso e a prova”, explicou Graziela Andriola.

Falta de diálogo

A APP-Sindicato acusa a Seed e o governo do Estado de não ouvirem as demandas dos professores. Segundo a presidente, a entidade tentou por diversas vezes o diálogo e, inclusive, preparou um projeto substitutivo – que foi ignorado.

“Nós apresentamos, via deputados de oposição, um substitutivo que garantia a participação da comunidade escolar e trazia regras claras para essa troca de direção, mas infelizmente essas emendas não foram acolhidas pela base do governo”, disse.

Por outro lado, Graziela Andriola, garante que os debates foram feitos antes de o projeto ser enviado ao Legislativo.

“Nós tivemos reunião com o Sindicato para tratar desse projeto de lei. Houve sim o diálogo. O que aconteceu é que não atendemos todas as necessidades e demandas deles”, afirmou.

Apesar das manifestações contrárias, o governo não deve ceder pois considera a nova lei como um avanço para a educação.

“Quando temos os gestores mais bem preparados, os estudantes são melhores instruídos e os recursos financeiros são aplicados corretamente onde realmente é necessário. Ou seja, os estudantes vão ter uma escola com uma estrutura melhor, uma qualidade melhor na parte pedagógica e administrativa. Com isso, se melhora a aprendizagem e todo o processo que o estudante tem”, finalizou a diretora da Seed.