Um memorial do Néias (Observatório de Feminicídios de Londrina) para manter viva a memória de 44 mulheres vítimas de feminicídio foi retirado da Câmara nesta segunda-feira (13), uma semana antes do previsto. O painel contava com dois termos em linguagem neutra, o que gerou críticas por parte de vereadores, que organizaram um abaixo-assinado pedindo pela retificação das placas.

O memorial conta com 44 silhuetas de mulheres, incluindo duas crianças, vítimas de feminicídio e de tentativa de feminicídio que foram acompanhadas pelo Néias nos últimos três anos. Com o nome da vítima, idade, relação com o réu do crime e um QR Code que redireciona para informações dos casos, cada mulher era ligada à outra por um cordão vermelho.

A exposição foi instalada na Câmara em 6 de maio por intermédio da vereadora Sônia Gimenez (PSB), que é procuradora da Mulher. As manifestações contrárias de vereadores começaram já no dia seguinte à instalação por conta de dois termos em linguagem neutra. O memorial estava previsto para ser retirado apenas em 20 de maio.

Porta-voz do Néias, Silvana Mariano conta que o grupo recebeu uma ordem de retirada do memorial por parte da direção da Câmara em uma reunião na última quinta-feira (9). O mural tem o objetivo de trazer visibilidade às histórias de vítimas de feminicídio na região.

“É revoltante que um espaço democrático como este não tenha a aceitabilidade da memória dessas mulheres”, apontou. Para ela, a polêmica envolvendo a linguagem está se sobrepondo a um assunto mais importante. “Se a batalha da linguagem neutra para eles é mais importante do que a vida que perdemos de mulheres, significa que temos algo muito errado com a representação parlamentar deste município”, afirmou.

Mariano reforça que o sentimento é de que elas estão sendo banidas de um local em que o enfrentamento ao feminicídio deveria ser trabalhado. Sobre o abaixo-assinado de vereadores pedindo a retificação dos termos, ela diz que a proposta não chegou até o grupo, mas que a mudança estaria “fora de questão”. “Entendemos que fazer o enfrentamento contra o feminicídio é um dever moral e ético de cada pessoa dessa sociedade e deveria ser de vereadores e vereadoras também”, reforçou.

Destacando que o feminicídio é o ponto-chave do memorial, Gimenez afirma que outras questões são “supérfluas” perto de um assunto tão relevante. “O foco são as mulheres que passaram por situações de violência”, acrescentou.

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ABAIXO-ASSINADO

Encabeçado pelos vereadores Santão (PL) e Jessicão (PP), o abaixo-assinado pedia a retificação de dois termos em linguagem neutra utilizados no memorial, sendo eles: ‘nenhume’ e ‘vives’. O primeiro é utilizado no título do painel “Memorial Nenhume a Menos”; o outro aparece em um trecho que afirma que as mulheres querem colocar um basta na violência para continuarem “vivas e vives”. Ao todo, 9 dos 19 vereadores assinaram o documento, que não teve o conteúdo divulgado.

Santão, que se manifestou no plenário no dia seguinte à instalação do memorial, disse que não concorda com a exposição por conta dos termos em linguagem neutra e que o pedido era para que os cartazes fossem suprimidos ou retificados. Ele afirma que nunca pediu para que a parte da exposição com a silhueta e informações sobre as vítimas fosse retirada.

Segundo o vereador, o direito das mulheres “de serem mulheres” deve ser respeitado. “Não se pode retirar o feminino das mulheres, trazendo elas de forma genérica, inclusive nas palavras. Isso vai ser e sempre será inadmissível no meu conceito”, opinou.

Responsável por protocolar oficialmente o abaixo-assinado, a vereadora Jessicão diz que a linguagem neutra “exclui as mulheres de verdade” e que é uma forma de “lacrar”. “Elas [membros no Néias] jamais deveriam ter incluído essa linguagem neutra, que é algo que inexiste e que totalmente desclassifica às mulheres”, pontuou.

A vereadora Mara Boca Aberta (Podemos), que também assinou o documento, procurou a FOLHA para explicar que o seu parecer foi baseado em um projeto de lei da Câmara dos Deputados, aprovado no fim do ano passado, proibindo a utilização da linguagem neutra em órgãos públicos. “Nós somos uma Casa de Leis, fazemos as leis, temos que obedecer as leis”, justificou.

POSIÇÃO DA CÂMARA

Em nota, o diretor-geral da Câmara de Vereadores de Londrina, Leandro Rosa, disse que diante de manifestações de descontentamento por parte dos vereadores, foi organizada uma reunião com representantes do Néias para expor o posicionamento. No encontro, foi sugerido que a manutenção ou não do painel fosse apreciada e votada no plenário. Rosa ressaltou que a proposta foi rejeitada pelo Néias, que optou pela retirada do manifesto.

Em resposta à nota enviada pela CML, o Néias reforçou que a decisão de retirar o memorial não partiu do grupo, mas sim a pedido da direção da Câmara. Além disso, a sugestão de votação em plenário foi feita por uma das integrantes do Néias, sendo que Leandro Rosa teria respondido “que o memorial deveria ser retirado antes de se propor a votação”. “Esta possibilidade de retirada e posterior votação não foi acatada por Néias por considerarmos um insulto a expulsão por si só”.