Curitiba - O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiu afastar temporariamente o promotor Bruno Vagaes, que desde final de 2019 já teria descumprido, por 101 vezes, ordens judiciais que o impedem de tentar uma aproximação com a ex-mulher, a servidora Fernanda Barbieri, e de fazer contato com familiares dela.

Das 101 situações apontadas pela servidora, 99 já deram base a ações penais, que tramitam de forma sigilosa na Justiça estadual. Ela pediu as medidas protetivas após relatar episódios de agressões e ameaças.

Em nota, o advogado de Vagaes, Marcos Ticianelli, afirmou que o promotor afastado nega "qualquer crime sexual ou de violência física ou psicológica contra Fernanda" e diz que não mantém qualquer contato com a ex-mulher desde junho de 2020.

"Médicos do Ministério Público atestaram a aptidão de Bruno para a vida em sociedade e também para o exercício de sua profissão. Aliás, Bruno sempre exerceu a sua função de promotor de Justiça de forma exemplar", disse a defesa. Ele é membro do Ministério Público desde 2011 e atuava na Promotoria de Justiça de Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina).

O advogado acrescenta que recorre da decisão do CNMP e que considera que o afastamento "possui equívocos", tendo sido determinado "neste momento de grande repercussão midiática, que somente aconteceu em razão da quebra do sigilo processual".

A decisão do órgão foi assinada em 5 de julho pelo corregedor nacional, conselheiro Oswaldo D'Albuquerque, após uma reclamação disciplinar protocolada por Fernanda Barbieri no ano passado contra a atuação do Ministério Público do Estado do Paraná. Ela argumentou que, além de ser vítima de violência doméstica praticada pelo promotor, também sofreu violência institucional por parte do Ministério Público paranaense.

Ela aponta que, mesmo com os reiterados descumprimentos das ordens judiciais desde o final de 2019, a Promotoria não aplicou sanções relevantes contra o ex-marido na esfera administrativa e lembra que ele só foi afastado das suas funções por ordem do CNMP.

Em relação ao próprio conselho, ela também afirma que a decisão pelo afastamento do promotor ocorreu apenas recentemente, quando já havia repercussão sobre o caso na imprensa. O descumprimento das medidas protetivas por parte do promotor foi revelado em junho pelo jornal “O Globo”.

"Eles [Promotoria] nunca entenderam que descumprimento de ordem judicial é algo grave e que o cargo empodera, que a permanência dele no cargo significa todo um sistema do lado dele", disse Barbieri, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, na última quarta-feira (19). A advogada dela, Bianca Alves, estuda levar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No Ministério Público, o promotor é alvo de dois procedimentos administrativos disciplinares abertos pela Corregedoria-Geral. O primeiro, já encerrado, apurava a prática de crimes de importunação sexual e 49 descumprimentos de medidas protetivas de urgência.

O caso gerou duas censuras - na prática, uma anotação em sua ficha funcional, o que impediria promoções por merecimento dentro de um determinado período, por exemplo.

O outro procedimento ainda não foi concluído. Ele trata da suspeita de interferência ilícita em instrução probatória criminal - o promotor teria pressionado a ex-mulher a mudar seu depoimento - e também mais 50 descumprimentos de medidas. Além disso, há uma sindicância aberta neste ano envolvendo outros dois supostos descumprimentos de medidas.

Sobre as queixas mais recentes, levadas à Promotoria neste ano, foi sugerido que o caso fosse encaminhado para um núcleo de conciliação. "A gente percebeu que o MP estava minimizando. Como é que a gente vai conciliar com uma pessoa que descumpre medidas protetivas por 101 vezes?", afirma a advogada.

O afastamento temporário do cargo, definido pelo CNMP, é válido até a conclusão do segundo procedimento administrativo e da sindicância.

PROMOTORIA

Ao negar que tenha sido omisso em relação ao caso do promotor, o Ministério Público do Paraná destacou, em nota, as medidas tomadas no âmbito criminal, lembrando que em 2020 chegou a pedir a prisão preventiva de Vagaes, em razão dos "reiterados descumprimentos das medidas protetivas e a indevida intervenção do acusado nas investigações".

A detenção foi decretada, mas logo convertida em prisão domiciliar e, quase três meses depois, revogada por decisão judicial. A Promotoria já ofereceu duas denúncias criminais contra o promotor. Elas tramitam em sigilo na Justiça.

Em nota, a Promotoria ressalta que "todos os fatos noticiados, com reflexos criminais, foram ou estão sendo objeto de apuração no próprio Ministério Público" e que, eventualmente, pode ser ajuizada uma ação de perda de cargo quando a sentença penal transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso.