Nos últimos dias, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou mais de 156 mil focos de incêndio em todo o território nacional, o maior número contabilizado em 14 anos. É do fogo fora de controle que vem a fumaça que se espalhou por boa parte do país, inclusive pelo Paraná, onde por mais de uma semana o azul do céu deu lugar ao branco em razão do alto nível de poluição atmosférica. Somente no Estado, o Corpo de Bombeiros recebeu 11.115 chamadas referentes a incêndios florestais entre 1 de janeiro e 9 de setembro deste ano – 145% a mais do que em 2023. Até então, a maior marca havia sido observada em 2019, com 10.835 registros no período.

Na região de Londrina, o 3º Grupamento do Corpo de Bombeiros do Paraná computou 117 ocorrências de incêndios em vegetação entre os dias 1 de agosto e 13 de setembro deste ano. A maioria delas, na área urbana. A média foi de 2,65 registros diários em um período de 44 dias.

As queimadas e os incêndios em vegetação preocupam as autoridades. Os Bombeiros acenderam um sinal de alerta e estão mobilizados juntamente com outras entidades civis e governamentais, o governo estadual decretou situação de emergência devido aos riscos à agropecuária e pesquisadores da área ambiental avaliam os danos à biodiversidade.

Embora ocorram durante todo o ano, os incêndios são mais recorrentes no inverno, quando as estiagens se estendem por um tempo maior, e costumam ser mais severos na área rural. “Os incêndios colocam em risco a vida das pessoas, a produção agropecuária e os empreendimentos, como os silos, a apicultura, a criação de suínos, a vegetação nativa”, destacou a técnica do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), Carla Beck.

A recomendação da Faep aos produtores rurais é investirem na prevenção aos incêndios. Destacar uma pessoa responsável por monitorar a propriedade rural em período integral e manter tanques sempre abastecidos com água, pulverizadores sempre a postos, assim como abafadores, enxadas, rastelos e mangueiras, para que possam ser utilizados imediatamente, ao primeiro sinal de fogo, são algumas orientações. Outra medida importante é manter limpa a propriedade, eliminando resíduos de fácil combustão. “É preciso manter os aceiros sempre limpos, nos limites das propriedades, e nas áreas críticas de vegetação. E não queimar lixo, o que pode ocasionar uma coisa muito maior”, disse Beck.

Quando não é possível prevenir e o dono da propriedade não consegue controlar o fogo, os bombeiros devem ser acionados, mas também é preciso registrar um boletim de ocorrência e fotografar a área afetada, a fim de comprovar que o fogo não foi voluntário e se eximir de qualquer punição prevista na legislação ambiental. “O produtor já deve ter um projeto de recuperação dessa área queimada porque mesmo que o incêndio não tenha sido proposital, a recuperação da vegetação nativa em áreas de reserva legal e APPs (Áreas de Preservação Permanente) é uma obrigação legal.”

O agravamento dos problemas ambientais e climáticos no Paraná fez com que o governo do Estado decretasse, no último dia 5 de setembro, situação de emergência por 180 dias. No dia 10 de setembro, o governador Ratinho Junior confirmou a destinação de R$ 24 milhões para ações de enfrentamento à estiagem, entre as quais estão a capacitação de 500 brigadistas, a contratação de aeronaves especializada no combate a incêndios, compra de equipamentos e contratação de caminhões-pipa. Também foram liberados R$ 5 milhões do Fecap (Fundo para Calamidades Públicas) aos municípios que também decretarem situação de emergência e tiverem essa condição reconhecida pela Defesa Civil estadual.

Na área ambiental, os pesquisadores estudam as consequências das intervenções humanas no planeta e são categóricos ao dizer que não é possível mais o retorno às condições climáticas benéficas como existiam até o início do século 20. “A situação climática é gravíssima”, afirma Francisco de Assis Mendonça, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e articulador do Napi (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação) Emergência Climática. Coordenado pela Fundação Araucária, instituição vinculada à Seti (Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), o Napi estuda como as mudanças no clima alteram a frequência e a intensidade das queimadas em diferentes regiões paranaenses, assim como o efeito das crises climáticas na biodiversidade.

O professor lembrou que o termo “mudança climática” foi utilizado entre o final dos anos de 1990 até 2015, quando foi realizada a 21ª COP (Conferência das Partes) da UNFCCC, em Paris, e passou a ser utilizado o termo “emergência climática”, mais condizente com a situação atual do planeta e que tem como sintomas os eventos extremos, como chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas de frio e calor intensas como a que avançou sobre o Paraná nos últimos dias.

Quando associado a questões culturais, como a prática das queimadas nos meses de inverno nos estados do Centro-Sul do Brasil, esse novo cenário climático ganha contornos mais dramáticos. “As queimadas lançam partículas de fumaça na atmosfera e este ano, por ser um dos anos mais quentes que a gente tem, por ação do El Niño e da La Niña, na Terra inteira, não só aqui, essas queimadas vão tornar a atmosfera mais turva e o calor, mais intenso. As mudanças no clima e uma situação que é típica de inverno se juntam para uma situação climática muito grave”, ressaltou Mendonça.

Apesar de ser uma tradição, o IAT (Instituto Água e Terra), o órgão ambiental do governo do Paraná, publicou uma portaria suspendendo as queimadas controladas por 30 dias e as usinas de produção de açúcar e álcool devem informar os seus fornecedores sobre essa suspensão.

“A destruição das áreas de Reserva Legal e APPs demoram muito para serem recuperadas. Às vezes, leva mais de 20 anos. Uma queima em uma área dessas é uma perda muito grande para a biodiversidade”, ressaltou Beck.

Trégua no calor deve durar pouco, prevê Simepar

Depois de cerca de dez dias de calor intenso, com as temperaturas em alguns municípios do Paraná chegando perto dos 40 graus, e umidade relativa do ar inferior a 15%, típica de regiões desérticas, as chuvas que caíram em todo o Estado neste final de semana trouxeram alívio aos paranaenses, mas a trégua não dura muito. Segundo o Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná), a previsão para o Norte do Estado é de temperaturas mais amenas ao longo desta semana, com as temperaturas mínimas variando entre 14 e 18 graus e as máximas, entre 24 e 30 graus, mas com o retorno dos dias bem quentes na próxima semana. No período de 22 a 29 de setembro, as máximas ficam entre 32 e 42 graus.

Os dados do monitoramento do Simepar refletem as mudanças climáticas que vêm sendo sentidas pelos paranaenses, nos últimos anos, com mais intensidade a partir de 2023. Em agosto, o Paraná registrou cerca de 20 mil focos de calor, o que representa aumento de seis vezes em relação a julho. E a previsão é de que essa condição se repita em setembro, atrasando a estação de chuvas, que deve ficar para outubro.

Aguardado para chegar ao Sul do país entre julho e agosto, o fenômeno La Niña, marcado por poucas chuvas e altas temperaturas, ainda não apareceu, o que deve acontecer neste mês e se estender, com menor grau de intensidade, até janeiro de 2025.(S.S.)