Nos últimos anos, o Twitter tornou-se um dos mais importantes palcos para discussões – muitas vezes até acaloradas demais. Artistas trocaram farpas, empresas foram expostas e políticos bateram boca, por exemplo. Quase sempre, as disputas vêm acompanhadas de uma hashtag que acaba parando nos trend topics, a lista dos assuntos em alta, despertando a curiosidade de outros milhares de usuários que só ficam sabendo da querela ao visualizar o tópico de destaques. Tudo parece normal mas, por trás do compartilhamento maciço de um determinado tema, pode haver ação dos bots, cada vez mais comuns no ambiente virtual.

Imagem ilustrativa da imagem GUERRA DE ROBÔS| Inteligência artificial e programas de computador invadem debates
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O termo “bot” vem da palavra “robot”, robô em português. Eles são, de uma forma simples, programas de computador criados para realizar tarefas repetitivas e automatizadas. Com o uso de inteligência artificial, eles podem interagir simulando a forma de pensar do ser humano. Como quase tudo na vida tem dois lados, na internet não é diferente: há tanto bots legítimos, “do bem”, que podem percorrer sites buscando informações importantes para o internauta, como encontrar preços mais baixos de um determinado produto, ou dar respostas programadas para acelerar o atendimento em um site, por exemplo. E há os malignos, usados em ações que podem causar danos e prejuízos para terceiros. No caso de uma discussão no Twitter, robôs se passam por perfis de pessoas reais e compartilham uma frase, acompanhada da hashtag em questão. Como a quantidade de citações define quem vai parar nos assuntos mais comentados, um tema ou posicionamento parece estar sendo bastante comentado ou apoiado, mas tudo não passa de algo orquestrado.

“Com essa manipulação, os bots criam uma falsa sensação de amplo apoio a uma medida, discussão ou pessoa, podem espalhar notícias falsas e teorias conspiratórias, contaminando o debate e gerando desinformação”, alerta o especialista em segurança digital, Matheus Carneiro. Ele explica que os robôs são mais comuns no Twitter porque o limite de caracteres, 280 por mensagem, facilita a imitação da ação humana. “Frases curtas, acompanhadas de hashtags, e a possibilidade de marcar outros usuários às vezes até famosos, passando a impressão de que eles participam daquela ação, faz tudo ser mais rápido e efetivo, além de mais simples de ser programado e confundir um usuário real”, avalia Matheus.

No meio da briga, surgiu também um “dedo duro” dos falsos impulsionamentos. Criado em fevereiro de 2018, o “Bot Sentinel”, descrito como uma “plataforma gratuita desenvolvida para detectar e rastrear bots políticos, trollbots e contas não confiáveis”, é um “usuário” que detecta assuntos e hashtags compartilhadas por outros robôs – e expõe a informação. Durante o primeiro debate entre os presidenciáveis norte-americanos Donald Trump e Joe Biden, por exemplo, o bot dedurou: “identifiquei 412 tweets mencionando #TRUMP2020 que foram tuitados por contas não autênticas”. O outro lado também não passou despercebido: “identifiquei 484 tweets mencionando JOE BIDEN que foram tuitados por contas inautênticas”. No início de setembro, a ferramenta identificou a ação de robôs na hashtag #SOMOSTODOSMARIOFRIAS, que começou a ser compartilhada no Twitter após uma discussão virtual entre o ator Mário Frias, secretário de Cultura do governo federal, e o humorista Marcelo Adnet. Setores que apoiam o governo, aliás, tem sido alvo de acusações do uso de robôs para repercutir conteúdos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro e de ataque a adversários. Em recente depoimento à Polícia Federal como testemunha, no inquérito que investiga o financiamento de atos antidemocráticos, o vereador Carlos Bolsonaro, negou que use robôs para impulsionar a divulgação de informações em redes sociais.

Mas para o cientista político Otávio Marques, as táticas têm sido usadas sistematicamente por diversos espectros políticos já há alguns anos. “Todos, evidentemente, negam, da esquerda à direita, mas acabam criando suas estruturas, algumas mais profissionais, outras mais acanhadas. Infelizmente, é algo que veio para influenciar o debate político, marcou as últimas eleições aqui no Brasil e fora dele e com certeza vai marcar a deste ano. O perigo, sempre, é produzir uma opinião artificial, disseminada como se houvesse um apoio forte da sociedade sobre determinado assunto, influenciando usuários indecisos sobre o tema e fortalecendo posições radicais. Soma-se a isso os algoritmos, que identificam os assuntos mais sensíveis à uma pessoa e oferecem a ela mais conteúdos daquela linha, e são criadas as bolhas de informação”, alerta. “É preciso saber identificar contas falsas, pesquisar mais sobre os temas e não compartilhar algo sem checar antes”, sugere Otávio.

Para minimizar o efeito nas eleições municipais, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, já afirmou que não deve haver controle de conteúdo em redes sociais, mas um combate a comportamentos coordenados inautênticos. “O TSE já formalizou parceria com todas as principais mídias sociais: WhatsApp, Facebook, Instagram, Google para a utilização de ferramentas, algumas especialmente desenvolvidas para detectar esses comportamentos, que incluem uso de robôs, o uso de perfis falsos e impulsionamentos ilegais. Há um compromisso das plataformas de, por meios tecnológicos, enfrentarem. É impossível eliminar o risco de fake news, mas estamos tratando essa questão com grande empenho e profissionalismo”, anunciou.

Uso saudável

Conheça bots informativos do Twitter e saiba ainda como identificar contas falsas

De acordo com o estudo “Nomes do Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos, segundo dados do Censo 2010, quase 200 mil Fátimas no país. E o nome também batiza um robô do site “Aos Fatos”, que desde 2015 checa notícias falsas na internet. O “fatimabot” varre o Twitter em busca de tweets com informações erradas e comenta com a versão real, checada pela equipe do site. Já o "ruibarbot" é um robô que monitora processos parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Iniciativa do portal jurídico Jota, ele inclui até links para os processos, além de indicar há quanto tempo eles estão sem nenhuma movimentação. Em junho, por exemplo, ele informou que "a ADI 5624, sobre lei que dispõe sobre estatuto jurídico das empresas estatais, está parada há 180 dias". Outro robô informativo é o da Agência Pública e do Repórter Brasil. Com o "orobotox", dá pra saber quantos novos agrotóxicos foram liberados pelo governo, de acordo com registros no Diário Oficial da União.

Mas no meio de bots úteis, um grande número de contas falsas, programadas para desinformar, disputam espaço na plataforma. A pandemia do novo coronavírus mostrou que o problema é grande. Segundo um estudo da Carnegie Mellon University, dos Estados Unidos, grande parte dos retuítes relacionados à Covid-19 foram feitos por bots. Os pesquisadores acompanharam mais de 200 milhões de posts no Twitter desde janeiro, com presença dos termos “novo coronavírus” e “Covid-19”. O resultado mostrou que 82% dos 50 perfis mais influentes tinham comportamento de bots. “É duas vezes mais atividades de bots do que havíamos previsto, com base em outros cenários de desastres naturais, crises e eleições", avaliou Kathleen Carley, professora da Escola de Ciência da Computação do Instituto de Pesquisas em Software da Universidade.

E como descobrir se uma conta é legítima ou falsa, escondendo um robô? Primeiro, é preciso analisar a frequência das postagens. Se são constantes e em intervalos curtos, pode ser indício de automação, já que humanos demoram mais tempo para elaborar e publicar as mensagens do que um robô já programado. A linguagem também pode ser um indício: robôs costumam usar frases padronizadas e simples, sempre com os mesmos termos e, em geral, sem erros de português. Os perfis novos também são suspeitos, já que os robôs são criados em um curto espaço de tempo e muitas vezes são recentes. E, por fim, o nome do perfil: os de robôs costumam ter um primeiro nome próprio e uma sucessão de números a frente.

“Portanto, se receber um comentário de usuários com essas características, rebatendo alguma frase, palavra ou hashtag que você postou, desconfie. Pode ser um robô programado para reagir àquele termo. E aí, bater boca vai ser uma perda de tempo”, alerta o especialista em segurança digital, Matheus Carneiro. “O mais indicado, nesse caso, é denunciar a conta como falsa, para que o Twitter avalie e tome providências”, complementa.