Velocidade e vertigem: as condições do mundo contemporâneo
A velocidade das informações não nos impede de absorvermos um conhecimento mais profundo das coisas?
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 09 de março de 2022
A velocidade das informações não nos impede de absorvermos um conhecimento mais profundo das coisas?
Marco A. Rossi
Não há quem não se beneficie da velocidade com que as coisas acontecem no mundo contemporâneo. Graças aos novos incrementos tecnológicos – diários! –, podemos combater moléstias, ganhar energia, driblar dificuldades, erguer moinhos que auxiliem no trabalho, na escola, nas tarefas domésticas etc. A velocidade do novo ajuda na organização da vida. É provável que não haja saudosistas das adversidades, nostálgicos do tempo em que tudo era muito mais difícil e arriscado.
A pressa com que tudo ocorre, entretanto, deixa espaço para um outro tipo de saudade. A vertigem atual nos tira o momento do apreciar, do sentir, do aprender observando. Além disso, a velocidade é barulhenta, não permite que boas conversas sejam praticadas aqui ou acolá. O barulho interrompe tudo: o bate-papo, o sono e a tranquilidade de contemplar o movimento das quatro estações.
Nos modelos antigos de sociabilidade, as normas de conduta, as leis, os hábitos, o modo de falar ou de se vestir, os estilos artísticos, os valores culturais, tudo revelava uma incrível capacidade de perdurar. Havia mudança, é claro, mas tudo era sempre muito mais devagar.
É desta velocidade que se fala hoje em dia: do tipo que tudo atropela, tudo desmancha e transforma em pó. Existe uma pressão que sabota o tempo e coloca todos contra todos, numa competição desenfreada. Aqueles que conseguirem ser mais rápidos terão os melhores benefícios. A recompensa pode ser em status ou dinheiro – e é bem possível que seja nas duas modalidades.
A vertigem pós-moderna é uma luta contra o movimento dos ponteiros do relógio. Para que nos tornemos competitivos, nossos movimentos estão em questão. Vivemos correndo. Saímos de casa correndo, corremos o dia inteiro, e voltamos para casa correndo, exaustos, sem tempo para mais nada. O tempo, assim, torna-se um luxo, um recurso de poucos. Quem dispõe de tempo para ler um bom livro, curtir uma saudável refeição, cultivar amigos, de um modo ou de outro, é milionário.
Algumas perguntas ficam no ar: nas condições em que estamos sendo obrigados a viver, ainda que possamos tirar algum proveito de tudo, não nos é cobrado um preço alto demais? Que tipo de vida levamos ao passar os dias a correr, competir, distinguirmo-nos uns dos outros na luta contra o tempo? A velocidade das informações não nos impede de absorvermos um conhecimento mais profundo das coisas? Não será meio vazio o conhecimento que vive a correr de cabeça em cabeça, sem exigências, sem contrapartidas de memória ou reflexão? O ritmo estremecido dos dias não nos empobrece em termos de inteligência e sensibilidade?
Respostas a essas perguntas exigem tempo (tudo que não temos). Só podem ser oferecidas em condições sem vertigem, sem a loucura em que se transformaram os ambientes de estudo e trabalho. É preciso reelaborar as bases de nossos processos de socialização, tornando-os mais envolventes. A tarefa é árdua, mas nossa humanidade depende de sua realização.
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