Um Lugar Silencioso II: filme tem algo de spielberguiano como referência rítmica, narrativa e visual
Um Lugar Silencioso II: filme tem algo de spielberguiano como referência rítmica, narrativa e visual | Foto: Divulgação

Em 2018, o ator e diretor estreante John Krasinski assumiu um projeto cinematográfico quase familiar: interpretado por sua esposa Emily Blunt, ele filmou “Um Lugar Silencioso/A Quiet Place”, mix de ficcção-científica e filme de terror com monstros e falando sobre sobrevivência, e com um orçamento desidratado de U$ 22 milhões. O merecido sucesso foi instantâneo e inesperado, uma jóia do gênero. Lançado nas salas brasileiros em 5 de abril daquele ano, o filme arrecadou um total mundial de cerca de U$ 300 milhões. Agora, beneficiada pela flexibilização das medidas anti-covid, a sequela “A Silent Place Part II”, realizada em 2019 (o lançamento estava previsto para março de 2020, mas...), ganhou ampla visibilidade no mercado internacional, incluindo salas do circuito local (confira a programação dos multiplex locais, por ora com livre acesso...)

A estreia do momento chega para desconstruir aquela ideia empobrecida de que as segundas partes nunca são boas. O diretor Krasinski encerrava seu primeiro filme com um movimento de suspense parado no ar, alimentando com mão forte o “quero mais” do espectador e, sobretudo, deixando pendentes algumas questões: o que aconteceu à Terra para que esses seres de ouvido afiado viessem até aqui? O que acontecerá à familia Abbott (Evelyn, os dois filhos adolescentes e o recém nascido) depois da morte do marido, Lee, vivido pelo próprio diretor?

Nesta segunda parte, Krasinski volta a utilizar uma introdução poderosa, desta vez para recortar um momento do passado. Também reduz a metragem para pouco mais de hora e meia. Isto não é obstáculo para estender este surpreendente universo que nos apresentou há três anos, causando boa impressão em crítica e público. A história e seu diretor são fiéis a si mesmos: usam o mínimo de recursos, típicos mas utilizados para mostrar o terror, com os personagens com os mesmos antecedentes que criaram empatia com a plateia. Param por aí as semelhanças com o primeiro filme. Porque Krasinski não se limita a oferecer o mesmo esquema, mas antes sai em busca de novas variações para sua trama – e outros perigos – para nos oferecer o panorama deste novo mundo que está quase dizimado pela praga das criaturas extraterrestres.

A esperada sequela soube se renovar e trazer novidades ao estilo narrativo. Para começar, ela se estende a esse mundo pós-apocalíptico atormentado por seres guiados apenas pelo som; e vai além daquele núcleo familiar que conhecíamos, formado por Lee e Evelyn. O roteiro introduz um novo personagem, Emmett, vivido pelo irlandês Cillian Murphy. A tensão retorna ao público intacta, em especial pelo trabalho de montagem, impecável.

No final das contas, tanto esta segunda parte como a original nada mais são do que (ótimas) reinvenções de histórias de sobrevivência em circunstâncias extremas, com um grupo de seres humanos (no caso, o nucleo familiar) enfrentando um predador amoral e implacável. A reviravolta, é claro – o elemento surpresa do original – foi dada pela habilidade sonora dos monstros invasores, cegos mas com enorme capacidade auditiva, que forçou os sobreviventes a viver em um mundo sem barulho ou conversas altas.

Há algo de spielberguiano, um estilo evidente na sequência introdutória em que os Abbott assistem a um jogo de beisebol infantil com um de seus filhos. Tudo segue como manda o figurino até que estranhas figuras começam a ser ruidosamente desenhadas no céu. Krasinski, como o Spielberg em E.T. ou no primeiro encontro com os dinossauros em Jurassic Park, ou com o que ocorre de saída em “Guerra dos Mundos”(a referência rítmica, narrativa e visual mais clara) não direciona a atenção para o perigo que acontece bem distante, mas fixa a câmera nos rostos perplexos de Lee e Evelyn olhando para cima.