Quarenta anos de solidão...
Uma homenagem a John Lennon nos 40 anos de sua morte
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 08 de dezembro de 2020
Uma homenagem a John Lennon nos 40 anos de sua morte
João dos Santos Gomes Filho/ Especial para a Folha
Dear Eleanor; sinto muitíssimo não ter ido ao seu funeral – afinal tinha apenas um ano de idade e a Inglaterra ficava muito além do universo. Mas tenho fé na homenagem derradeira do Padre Mackenzie e suas meias cerzidas – pena o arroz ter ficado sobre a escada, aos pés dos noivos...
A solidão parece mais infeliz do que é. Pessoas solitárias compõem um coletivo e essa ideia por poderosa que seja pode estabelecer, além de réstias de felicidade, grandes transformações sociais.
Sei, entrementes, o que significa um dia na vida de quem tem sorte, quando as notícias voam, seja você um congressista ou um homem do povo.
Sigo imaginando como estará Lucy; vejo-a em um barco sobre um rio, com árvores de tangerina e um céu de marmelada, sem desconhecer que na cidade onde nasci um homem partiu para o Jagora de minha infância e voltou a tempo de contar a história dos submarinos e de um caminho para navegarmos até o sol, buscando o mar verde...
Imagino a ausência de um paraíso em seu estado bruto, desenhado em um estado laico, onde apego e fé seriam pautas pessoais, estabelecidas pelas circunstâncias de mulher e homem, não pelo charlatanismo dos que comercializam a estima baixa e a solidão alheias na venda indulgente de salvação e fé – ainda que possa parecer improvável, será fácil se você tentar imaginar comigo...
Cara Eleanor, o sargento Pepper está compondo com os corações solitários uma banda e, ainda que você não esteja lá para cantar, estará em espírito, trazendo o sol em seus olhos...
Ontem todos os meus problemas pareciam tão distantes e agora eles vieram para ficar. Acredito no dia de ontem, na medida em que palavras flutuam como chuva sem fim, dentro de um copo de papel...
Eleanor, todos irão gostar do show – afinal algum cantor irá cantar uma canção e isso, só por si, é magica pura a proteger das poças de tristeza as ondas de alegria, escorregando através do universo...
Feche os olhos Eleanor e eu a beijarei. Já sinto sua falta. Não preciso que venha o amanhã, nem esperar que meus sonhos se transformem em realidade...
Querida Eleanor; lhe dou todo meu amor e se você pudesse ver esse amor, você se amaria também – para modificar sua percepção sobre a solidão...
O mundo está girando e isso excita Eleanor; o céu é azul e isso me faz chorar. É minha felicidade, querida, quem me fez chorar – e na hora certa você saberá porquê...
Pássaro preto cantando no final da noite, pegue suas asas quebradas e aprenda a voar! Pássaro preto voe na luz da escura noite negra, em busca de um gosto do mel que é mais doce que vinho...
Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm? De onde elas são?
Dear Eleanor, não fique mal. Pegue uma canção triste e a faça melhor. Acredite ser possível melhorar e vencer a dor. Se lhe parecer difícil, lembre-se que quando me vejo em dificuldade a mãe Maria vem a mim e, na hora mais escura, fica em minha frente – sem que eu tenha que pagar por isso...
Eleanor, minha bela, até que eu encontre um jeito irei lhe dizer as únicas palavras que sei, a destempo de convidá-la a imaginar uma vida sem fronteiras – ainda que seja fácil viver em um mundo com os olhos fechados, compreendendo mal tudo o que se vê...
É nesse mundo, Eleanor, que existe um lugar onde eu possa ir quando estou triste. Quando estou para baixo. Onde não haverá tristeza amanhã...
Assim, quando a noite chegar e a terra estiver escura, será o luar nossa única luz...
Mulher, eu mal posso expressar minhas emoções confusas em meus descuidos, meus sentimentos profundos em agradecimento, por entender a criança dentro do homem.
Adeus querida Eleonor. O show, ainda que diminuído, não pode parar e a vida, para nós que ficamos a imaginar como teria sido envelhecer com John, passa a ter um outro gosto – desgosto?
Oito de dezembro há quarenta anos vem demarcando o entorno de minha solidão. Sigo feliz o quanto posso, ainda que solitário ao lembrar das canções. Foram tantas, tão extraordinárias e profundamente perturbadoras que não me encontro senão além do universo, na busca por imagens de luzes quebradas a dançar em minha frente...
Será para sempre Lennon? Será este o lugar a lamentar, onde sepultaremos nossas desculpas? Não sei. Sei que foi tudo muito rápido e a dor não diminui porque o mundo segue precisando de você...
Simples assim. Extraordinário assim. Mágico assim...
Com amor, João Locco.
* João dos Santos Gomes Filho é advogado