No longa-metragem “Assim Estava Escrito”, dirigido em 1952 e até agora o mais emblemático filme sobre os bastidores de Hollywood, obra-prima de Vincente Minnelli, há uma frase que se tornou famosa pelo teor de corrosão: "Para ser um bom diretor de cinema é preciso ter humildade". Ela veste como uma luva em Damien Chazelle, o autor de bons títulos como “Wiplash – Em busca da Perfeição” (2014) e “O Primeiro Homem” (2018), e do admiravel quase cult “La La Land”, porque dele o talento transborda sem comportas. Mas o homem deveria ter seu ego radiografado, o que certamente, neste momento, evidenciaria notória falta de humildade.

Pois não há qualquer vestígio de humildade em “Babilónia”, disponível até esta quarta-feira (8) em salas da cidade. Pelo contrário, há (e em abundância), megalomania exacerbada e torrencial, que se reverte num blockbuster de três horas desiguais e desequilibradas, onde há momentos de bom cinema (poucos) como de grandiloquência gratuita e desmedida (muitos). Chazelle fez um afresco histórico excessivo e barroco da Hollywood dourada dos anos 1920, aquela fábrica de sonhos que, a portas fechadas, era também uma fábrica de orgias. Esse drama com frequência arrogante parece infundido com a energia impetuosa de seus personagens, resultando em filme de certa forma embriagado por sua própria ambição, descontroladamente desigual. E, paradoxalmente, quase nunca tedioso.

É curioso como Chazelle, roteirista e diretor, examina como Hollywood é tanto uma ideia quanto um lugar – e como a realidade continua se intrometendo nessa fantasia, forçando seus habitantes sonhadores a enfrentar as partes de si mesmos que eles preferem evitar. A longa, estridente (a música, diga-se a favor, é de ótima qualidade) primeira parte do filme descreve aquela perpétua e massiva festa de sexo, álcool, música e drogas carregada por monumental elefantíase visual e sonora digna, justamente, daquele fragmento babilônico de “Intolerância”, épico clássico do pioneiro D.W. Griffith (1916), que teve como objetivo maior deslumbrar por sua eloquência e detalhamento suntuoso.

Enriquecido com sequências insubstanciais (a da cascavel no deserto, ou tudo que diga respeito ao sinistro personagem do bizarro underground interpretado por Tobey Maguire), “Babilônia” concentra seus momentos mais emocionantes nas histórias protagonizadas por Margot Robbie/Nelly LaRoy (extraordinário: a atriz seria hoje a Sharon Stone de trinta anos atrás, e aqui o equivalente à Sharon do “Casino” de Scorsese: efervescente, impetuosa, frágil) e Brad Pitt/Jack Conrad, um ídolo do cinema mudo que não coube na novidade do figurino sonoro. O cinéfilo que conhece esse período histórico saberá reconhecer seus reais referentes nessa dupla – e em outros personagens fictícios.

Imagem ilustrativa da imagem Os excessos barrocos de “Babilônia”
| Foto: Divulgação

O filme, aliás, não só vem (re) contar a mesma coisa que “Cantando na Chuva /Singing in the Rain” (a traumática transição do cinema mudo para o falado), como também usa com sofrível explicitude o eterno clássico de Stanley Donen e Gene Kelly para ilustrar seu discurso, que termina da mesma forma como termina “O Grande Desfile/The Big Parade” (1925), de King Vidor: uma epifania que certifica que, embora aquele tenha sido o palco de ilimitada libertinagem e a gênese de um poder melífluo. Os frutos que dali nasceram constituem uma espécie de terapia para combater os males do mundo e fazer o público feliz. Frutos das raízes férteis do escapismo que, a partir daquele momento, Hollywood sempre soube adubar e festejar. Como atesta o epílogo de auto-referente adoração.

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