Noam Chomsky está vivo, no auge dos seus 95 anos. O linguista e filósofo estava internado após sofrer um AVC e correram boatos de que havia morrido. Após receber alta do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, foi visitado pelo presidente Lula (PT) no mês passado.

Em meio à preocupação com a saúde de Chomsky, as redes sociais foram inundadas com vídeos e entrevistas do intelectual, que há décadas é tido como um importante pensador político e social. Mas as suas contribuições vão além disso - assim como sua influência.

Não são poucas as obras audiovisuais que têm o filósofo como centro de discussão. Um exemplo é o documentário “Requiem for the American Dream”, de 2015, em que a concentração de riqueza dos Estados Unidos - e a proliferação da pobreza - são discutidas por Chomsky.

Outro exemplo é o filme “Capitão Fantástico”, lançado em 2016. No longa, a família de Ben Cash (Viggo Mortensen) celebra o “Dia de Noam Chomsky” no lugar do Natal. A crítica ao capitalismo e o papel da educação independente são pontos que fortalecem a admiração de Cash pelo intelectual nonagenário.

E as referências ao pensador vão além, passando pela literatura, música, teatro e cultura pop de modo geral, evidenciando como suas ideias se disseminaram nas últimas décadas.

REFERÊNCIA NA LINGUÍSTICA

A professora de linguística da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Dircel Aparecida Kailer, explica que Chomsky é uma referência no seu campo teórico.

Seus estudos surgem em um momento em que se acreditava que a linguagem era aprendida no contexto social por meio de estímulos e respostas. A partir da crítica que ele faz a essa forma de explicar a aquisição da linguagem, especificamente sobre um livro de Skinner, ele e sua proposta gerativa de funcionamento da linguagem se tornam amplamente conhecidos.

“Como uma criança tão pequena, que sabe tão poucas coisas do mundo, consegue lidar com a linguagem, que é uma questão tão complexa? Como pode produzir frases que jamais ouviu? Bem no início da carreira, na década de 50, ele começa fazendo essa discussão”, explica a professora, que destaca essa ideia de que, para Chomsky, existe uma “pré-disposição inata” para se adquirir a linguagem, “a faculdade da linguagem”.

Segundo Kailer, essa teoria tem dois objetivos principais, o de descrever o conhecimento do falante de uma língua particular e o de explicar os processos mentais do “falante-ouvinte ideal” que parte de seu conhecimento linguístico inato até ter o pleno domínio de sua língua.

Tendo como foco a formação das frases, a sintaxe, ele propõe a ideia de uma gramática universal, que descreve toda e qualquer língua, acreditando que toda língua natural segue os mesmos princípios, diferenciando-se apenas em seus parâmetros. “Em toda língua temos, por exemplo, um sujeito (sobre quem se fala algo), mas nem toda língua precisa trazer esse sujeito de forma explícita na frase”, explica.

COMPETÊNCIA

Kailer lembra que outra discussão relevante diz respeito ao conceito de competência e performance ou desempenho. A primeira refere-se ao conhecimento que o falante-ouvinte tem de sua língua e a segunda refere-se ao uso efetivo, concreto da língua. Sua proposta é a descrição da competência, ou seja, o conhecimento que uma pessoa tem de sua própria língua. “O estudo centra-se no falante-ouvinte ideal, dentro de uma comunidade linguística homogênea e que tem total conhecimento de sua língua”.

Com o objetivo de compreender o funcionamento da realidade mental do falante-ouvinte ideal, ele volta-se para a estrutura profunda da linguagem, para a gramática que esse falante usa para produzir infinitas sentenças no nível do desempenho, na superfície subjacente, ou seja, as falas realizadas.

“De forma muito resumida, o modelo gerativista transformacional proposto por Chomsky vê a mente humana comparativamente aos processos computacionais e é considerado como um modelo matemático de estudo da linguagem”, destaca a professora. “Ele trouxe muitos avanços para a compreensão da aquisição e funcionamento da linguagem, por isso é muito admirado, inclusive por nós da sociolinguística que o criticamos por centrar-se na competência linguística e dar pouca ênfase ao estudo do desempenho.”

RELEVÂNCIA POLÍTICA E SOCIAL

Além das suas contribuições teóricas, Chomsky é um intelectual de esquerda muito admirado. A professora ressalta que é justamente por seus posicionamentos que o pensador acabou ficando mais conhecido. “Ele é filho de pais judeus, o pai dele era professor de hebraico, e hoje ele critica, por exemplo, a atuação de Israel em relação à Palestina", aponta.

Os impactos do capitalismo também são alvo de Chomsky, que é um crítico da política dos Estados Unidos e da interferência americana em países em desenvolvimento - como o próprio Brasil, na ocasião do golpe militar de 1964, por exemplo.

Casado com a carioca Valeria Wasserman, o pensador conhece profundamente as complexidades da política brasileira. Quando Lula foi preso, por exemplo, às vésperas das eleições de 2018, Chomsky foi visitá-lo na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba.

“Na visão dele, [a prisão] foi bem arquitetada para que as pessoas entendessem que se tratava de uma ação anticorrupção e que não tinha um outro intuito naquele momento, nas eleições”, diz.

“Ele tem esse posicionamento político defendendo o direito dos palestinos, criticando a mídia hegemônica, lutando por direitos sociais e direitos humanos. Criticando essa estrutura das grandes potências e como nós somos levados a pensar como eles querem que pensemos”, finaliza.