Graças ao sensível e reflexivo olhar do diretor Lee Isaac Chung (americano de descendência coreana), autor do belo “Minari”, há algo muito importante em “Twisters” (em lançamento em Londrina e no resto do planeta) que não estava naquele “Twister” de 1996.

É o contexto social de uma América profunda que parece permanecer estagnada no tempo (o período difícil das grandes depressões, não as

meteorológicas, mas as econômicas), no esquecimento dos políticos e no olho dos furacões de especuladores imobiliários e bancários.

Deixe este blockbuster (porque ele é de fato uma mega produção) fazer uma pausa para lembrar a você espectador que, sob os escombros do marco zero de um tornado, há famílias, casas, empresas e vidas que são importantes para os bancos e para os Estados Unidos cada vez mais desunidos. Se isto não é algo que merece aplausos, minha santa Bárbara de raios e trovões, então não sei mais o que é meritório num filme que nasceu acima de tudo para ser o grande entretenimento do verão nos EUA.

É portanto surpreendente e agradável que “Twisters”, esta nova abordagem do universo nascido há quase três décadas no muito competente filme-espetáculo dirigido pelo holandês Jan De Bont, seja ainda mais intimista e mais focado no fator humano do que aquele modelo que privilegiava especialmente as aparências – a fúria e a devastação dos tornados –, sem cair numa sucessão de coisas voando (nenhuma vacas, diga-se) e coisas sendo destruídas. Aqui, são as pessoas que vivenciam ansiedades existenciais e emocionais, e suas lutas contra os elementos e a imprevisibilidade do clima (a imprevisibilidade de como o espectador do filme responderá hoje), que são hiperrealistas com alma e constituem a aventura em si mesma.

"Twisters" traz um viés mais humanista em face da tragédia trazida por um furacão
"Twisters" traz um viés mais humanista em face da tragédia trazida por um furacão | Foto: Divulgação

Então. Na verdade o que temos é que “Twisters”, dirigido por Lee Isaac Chung, não é uma sequência, mas um reboot completo, um reinício, já que além de um dispositivo de estudo de tornado chamado Dorothy (em óbvia homenagem à protagonista de “O Mágico de Oz”, além de outras referências ao clássico de 1939), não conta com nenhum ator daquela primeira aventura.

Em termos de elenco, agora são atores em fase probatória vivendo uma explosão entre um novo público reciclado, como Glen Powell, Daisy Edgar-Jones e Anthony Ramos.

“Twisters” não pretende inovar numa nova visão para a fórmula de perseguir tempestades com uma mistura de romance e desastre. Os elementos conhecidos ganham pequenas mudanças canalizadas através de novos personagens: um prólogo com a tragédia que forja a protagonista, um complexo triângulo amoroso e a mudança de papéis nas “equipes” de caçadores de tornados. Ação, emoção, adrenalina e humor

desfilam em equilíbrio. E não faltam reflexos do primeiro “Twister”, como carros on the road com play list nas alturas, alguns gadgets/engenhocas exponencialmente melhorados e cenas paralelas como a da sala de cinema do original.

Neste caso, respeitosamente, as cenas de “Frankenstein” não atingem o poder icônico daquela outra tela de cinema drive-in com Jack Torrance/Jack Nicholson arrombando a porta com seu machado em “O Iluminado”. Mas em geral o exercício de mimese tem uma implementação dos momentos icônicos com uma nova camada de efeitos e espetáculo.

A fila da altíssima tecnologia anda. E com que velocidade!

O bom de “Twisters” é que, sem cair na armadilha da nostalgia, sabe capturar o que deu certo no original, chegando até a utilizar uma fotografia fotografia em verdadeiro 35 mm, com efeitos visuais renovados que facilitam o que antes era mais difícil, com toques apocalípticos e efeitos sonoros que completam sua experiência imersiva de estar constantemente dentro de uma tempestade. Uma mistura do antigo e do novo, que flui

como seu ritmo vertiginoso.

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