A 43° Semana Literária Sesc e Feira do Livro começou na quinta-feira (8), no Sesc Cadeião, trazendo autores nacionais e locais para rodas de conversa, sessão de autógrafos e palestras. Até domingo (11), os visitantes podem participar da programação e adquirir as obras à venda no local.

O destaque da primeira noite de evento foi para o bate-papo entre as autoras Micheliny Verunschk e Giovana Madalosso que falaram sobre suas obras, estilos de escrita, desafios e, principalmente, sobre a presença feminina na literatura contemporânea.

O painel apresentou duas autoras muito relevantes para a literatura contemporânea, como Micheliny Verunschk, que é dona das obras renomadas “O som do rugido da onça” e “Caminhando com os mortos”, ganhadora do Prêmio Jabuti de 2022 e Prêmio Oceanos, e Giovana Madalosso, dona da obra “Suíte Tóquio” e finalista do prêmio Jabuti de 2021.

Micheliny aproveitou o espaço para ressaltar como é importante que esses eventos estejam sendo ocupados por mulheres, já que é muito recente que a premiação e publicação de obras escritas por mulheres são recentes na proporção em que existem hoje.

Em 2014, quando as listas das principais premiações estavam sendo publicadas, a autora se sentiu revoltada por não ver o nome de nenhuma mulher entre as indicadas. De lá pra cá, o mercado editorial evoluiu muito, com mais espaço sendo conquistado.

Para Micheliny, indicada e premiada por suas obras, essa conquista é um resultado direto de muito ativismo e luta das mulheres. “Escritoras ocupando espaço é política. Ser mulher e escrever mulheres é algo político”.

Giovana ainda complementou o debate com a perspectiva que até mesmo as personagens femininas evoluíram. O que antes eram representações estereotipadas, como empregadas domésticas e babás, atualmente passa por uma transformação, com histórias múltiplas e uma melhor representação.

Mesmo assim, quando passava pelo processo de achar uma editora para publicar seu livro “Suíte Tóquio”, ouviu de diversos homens que falar de maternidade não seria atrativo e que a obra teria dificuldade de venda. Para ela, as mulheres sempre escreveram, mas enfrentam muita dificuldade para se intitular como escritoras de fato.

A questão não passa só pelo mercado editorial, mas também pelos hábitos de leitura das próprias mulheres. Micheliny afirma: “Nós mulheres precisamos olhar para o que estamos lendo e consumindo e analisar se são só autores homens.”

Entre os debates sobre o papel da mulher na literatura e os comportamentos como mulheres no mundo, as autoras ainda discutiram sobre como carregam suas obras, quais suas metas, como enxergam a literatura e sobre os temas abordados nos livros de sucesso.

DESAFIOS E INSPIRAÇÕES

“Quando escrevo, quero que seja como um tiro: rápido e preciso, mas sem perder a complexidade”, a autora premiada diversas vezes por sua habilidade literária de encaixar diversos acontecimentos, unindo fatos e mitologia em histórias curtas, diz que acha muito importantes que seus textos sejam dinâmicos como são.

A leveza - no sentido de que coisas curtas também podem sustentar um corpo - e a rapidez são algo essencial nas obras de Micheliny. Além disso, o uso de diversos narradores é algo proposital e calculado, já que suas histórias são “histórias que só podem ser contadas por várias vozes.”

Apesar de ter muito bem definido o tipo de escritora que é e deseja ser, ainda assim a autora confessa ter dificuldades em descobrir como quer contar suas histórias. “O meu problema não é o enredo, não são os personagens, é como vou contar essa história.”

Mesmo com as dúvidas e questionamentos, ela tem uma coisa bem definida: suas obras não se limitam somente aos conhecimentos ocidentais, sendo expandidas por diversas narrativas, culturas e rituais, como o da ayahuasca, que a autora experimentou na prática para poder desenvolver sua última história, ainda não publicada.

“Eu preciso descentralizar o meu olhar para conseguir entender os meus personagens”, comenta a autora, que aborda a temática indígena e a violência sofrida pelos colonizadores em suas obras.

Já para Giovana, que aborda questões como a maternidade e segue duas personagens distintas ao longo da narrativa, o uso de duas vozes na história foi pensado para que a sensação de igualdade entre as narradoras de seu livro “Suíte Tóquio” fosse transmitida aos leitores. Ela considera que o que puxa a história são os personagens e, por isso, eles precisam transmitir verdade.

Giovana Madalosso e Micheliny Verunschk reuniram um público diversificado no Sesc Cadeião Cultural para um bate-papo sobre literatura e suas obras
Giovana Madalosso e Micheliny Verunschk reuniram um público diversificado no Sesc Cadeião Cultural para um bate-papo sobre literatura e suas obras | Foto: Eduarda Ventura

LITERATURA PLURAL

A literatura contemporânea atingiu uma fase em que, na visão de Micheliny, está mais plural e múltipla do que nunca. Para ela, ao criar um romance, os autores se propõem a criar um mundo, e que essa criação não deve ter uma visão homogênea, já que “o mundo é plural, diverso, onde os seres não humanos têm valor também.”

Além disso, a autora compartilha a visão de que não faz sentido continuar escrevendo sobre o mesmo tipo de pessoas quando a vida não é feita somente de pessoas iguais.

Em suas obras, por exemplo, utiliza de narrativas plurais, incluindo até mesmo animais e rios que falam, usando a justificativa de que “quer contar a história do outro porque a minha já não basta.” Ao seguir essa lógica, ela utiliza temas como o processo de colonização do Brasil e a violência sofrida pelos povos originários. "Enquanto essas questões não forem pensadas não serão superadas.”

Apesar de não ter a vivência como pessoa indígena, Micheliny defendeu que a literatura é algo livre, que não deve ter regras. “A história do Brasil pertence a todos, o que vai importar é o que contamos e como contamos essas histórias.”

IMPORTÂNCIA DO EVENTO

Com um evento aberto e gratuito, as autoras tiveram a oportunidade de ouvir perguntas e interagir com seus leitores, podendo debater suas obras e discutir sobre o cenário atual da literatura no Brasil.

O leitor e também escritor, Jairo Mendonça Fernandes, que participou do bate-papo, conta que a parte mais interessante de eventos assim é a oportunidade de ter um contato mais próximo com os autores. “É uma oportunidade de poder trocar uma ideia, pra ouvir, sobre o processo de escrita, que é interessante porque a gente lê a obra, mas às vezes tem uma ideia completamente diferente do que o autor escreveu.”

Não são só os leitores que aproveitam essa troca, já que, como explica Micheliny, esses eventos são muito importantes para o diálogo e aprendizado com os leitores. “Eu acho que é bacana, a gente não precisa pensar no livro só como objeto e livro, fechado numa leitura. Nesses eventos acho que ampliamos esse espectro de uma leitura única.”

*Supervisão: Célia Musilli/ Editora