Arte é uma garantia de sanidade.” (Louise Bourgeois)

Pensar em arte e logo ser transportado para museus, espetáculos musicais, cinema e peças de teatro é o que geralmente ocorre quando imaginamos essa tentativa de imitação da realidade que busca um encontro de sentimentos mais profundos. Colocar uma definição para a palavra “arte” esbarra em diversos conceitos acadêmicos, institucionais, individuais e também do mercado. Mas e se ao pensarmos em arte, o que vier a mente for a saúde?

A ARTE CLÍNICA

A busca para encontrar a individualidade de cada um pode ser literalmente materializada nessas sessões de consulta com a terapeuta, e é de forma orgânica que o caminho se cria para as subjetividades que vão aparecendo, percebendo o estado de sentimentos ainda não compreendidos e reconhecidos pelos pacientes. Assim, através da arte clínica é possível experimentar o mundo de novas formas.

Para Elisa Castro, 40, artista e psicanalista no Rio de Janeiro, esse processo da arte clínica foi escolhido para o seu caminho profissional, “A arte clínica é um conceito que foi criado por Suely Rolnik para definir a “Estruturação do Self”, processo terapêutico construído por Lygia Clark. Me apropriei deste conceito para nomear o processo terapêutico construído por mim, que tem origem na prática artística e que se tornou um processo terapêutico clínico. Diferente do trabalho da arteterapia que tem origem na clínica psicoterápica e se torna também uma prática artística”.

ARTE COMO TERAPIA: UM PRIMEIRO OLHAR

Reconhecida por seus trabalhos no Brasil e mundialmente por sua contribuição, Nise da Silveira, médica psiquiatra, revolucionou o tratamento mental no Brasil, dedicando a sua vida ao trabalho com doentes mentais, indo radicalmente contra as formas de tratamentos psiquiátricos da sua época, como o confinamento em hospitais, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia.

Nise também foi uma das primeiras profissionais da saúde mental a considerar a interação de pacientes com animais como uma abordagem terapêutica. A médica valorizava as manifestações artísticas que eram consideradas à margem do sistema oficial, produzidas por pacientes, o que era descaracterizado como tradicional da arte, mesmo se o autor ou autora o considerassem.

Esses tratamentos que abordam a psique por atividades de auto-expressão tem como o objetivo o uso da criatividade como base de processos terapêuticos na busca pela saúde mental do paciente, e não a formação ou a descoberta de artistas, embora possa despertar o desejo em quem pratica.

Para Elisa Castro, os fundamentos de pesquisas usados para o processo de suas sessões são derivados de pesquisas freudianas e nas práticas terapêuticas de Lygia Clark, diferente de Nise, que fundamentou seu trabalho em arteterapia através de suas pesquisas nas teorias de Carl Jung.

A arte clínica abre portas para novas formas de afirmação e construção de lugar no mundo para pacientes que ainda não encontraram na sua individualidade, a forma que lhe é mais confortável de se expressar, “Cada sujeito constrói o seu lugar no mundo a partir de um processo de construção criativa. A pergunta é, ‘como eu vou existir nesse mundo com as minhas diferenças?’. Cada um vai criar a sua maneira de olhar para a sua diferença como potência”, comenta a psicanalista e artista. Nessa busca pela afirmação da diferença como potência do sujeito, Elisa conta que o eixo central é o desejo. “Eu atendo alguns artistas de fato, mas também atendo muitos não artistas e muitas pessoas vão construindo seus processos e sentimento de estar no mundo com a criatividade de experiências estéticas, isso está para além do mundo da arte. Às vezes ouço, ‘Elisa, consegui encontrar um lugar para mim no meu campo de trabalho, estou me sentindo mais apropriada das minhas potencialidades’ e isso não é arte, mas é construção de lugar”, comenta.

INCOMPREENDIDOS NO SEU TEMPO

Na história da arte, identificamos alguns nomes de artistas que são reconhecidos por suas personalidades excêntricas e, muitas vezes, foram pessoas incompreendidas em seu tempo, isso traz uma leitura do senso comum sobre o que é arte e como ela é criada através do sofrimento psíquico, “As produções artísticas que conhecemos e que estão coladas a biografias dos seus autores, tendem a nos trazer uma ideia de que arte é somente sobre o estado psíquico do artista, mas a arte não está desvinculada do contexto histórico, geográfico e social”, explica Elisa sobre a visão de que apenas a emoção produz a arte.

Para essas entregas artísticas, produções de obras sonoras ou visuais há muito estudo e muita pesquisa que não é só responsabilidade do sentir, também do contexto social vivido pelo artista. “A pessoa constrói um processo poético para poder dizer sem palavras que está conectado à experiência. Só conseguimos expressar a nossa potência no ato, na ação, mas o que é produzido no senso comum sobre a criação artística é equivocado e fruto da romantização e idealização da arte. A arte não é produzida em momento de lazer, o artista é um profissional, está implicado no que faz e é um pesquisador. Passa-se a ideia do visceral, mas as pessoas em situação de grande angústia e em sofrimento absoluto não produzem nada”.