Sua nova história está ambientada na capital francesa, e é um thriller em tom de comédia burguesa, com ocasionais conotações românticas. A protagonista é Fanny (charmosamente interpretada por Lou de Laâge), mulher de trinta e poucos anos que trabalha para uma grande casa de leilões. Um dia, ela reencontra um antigo amigo de colégio, Alain (Niels Schneider), escritor divorciado.

Fanny é casada com Jean (Melvil Poupaud), homem rico e excessivamente ciumento - cujo trabalho não é revelado em nenhum momento do filme - que parece considerar Fanny sua "esposa troféu";. Poupaud desempenha seu papel com habilidade, de modo que consegue manter um equilíbrio entre o lado cruel e chato de seu personagem e outro, bastante estúpido.

Alain e Fanny embarcam em um romance, e a principal virada ocorre quando Alain deixa Paris sem deixar rastros. O desaparecimento de Alain leva Fanny ao desespero, e sua mãe (Valérie Lemercier) acaba sendo a única que tenta ir mais longe e descobrir o que realmente aconteceu. Também é cativante – embora um pouco banal e nerd ao mesmo tempo – ver como o forte vínculo entre Fanny e Alain se forma após a tentativa deste último de convencer Fanny a viver sua vida ao máximo. Em particular, sublinha a sorte que cada um de nós tem por estar vivo, uma vez que as probabilidades de nascer neste mundo são de apenas uma em 400 mil milhões.

Novo filme de Woody Allen retoma o frescor de suas melhores produções, com ironia e sem moralismo
Novo filme de Woody Allen retoma o frescor de suas melhores produções, com ironia e sem moralismo | Foto: Divulgação

Também interessante é como Allen zomba de alguns clichês da alta sociedade, como caçar e passar dias intermináveis ​​no campo.

No que diz respeito ao aspecto visual, o filme ainda se destaca graças à fotografia de Vittorio Storaro, que obviamente dispensa apresentações. O mestre italiano, diretor de fotografia de obras de tantos mestres cineastas (Coppola, Bertolucci, Saura, entre

outros) consegue criar um contraste requintado entre a paleta de cores azul e branco do luxuoso apartamento de Fanny e Jean e as belas e quentes cores das ruas da capital francesa no outono. Além disso, a trilha sonora segue alinhada ao clima da história, e o refrão de “Cantaloupe Island”, clássico de Herbie Hancock, serve como intermezzo charmoso entre varias cenas.

Coup de Chance é um divertido longa-metragem de 96 minutos, caracterizado por uma abordagem de direção simples mas funcional, um conjunto sólido de atores, diálogos divertidos escritos na medida, e um ritmo narrativo bastante atraente. E só a cena final já valeria o preço do ingresso. Mas será este “Coup de Chance” um retorno aos melhores momentos de Allen como cineasta? Parece não haver duvida de que sim.

O filme deve muito a “Match Point”, e nos devolve um Allen entre espirituoso e perverso, de novo fazendo rir e demonstrando a leveza de seus primeiros filmes. Há passagens que vibram ao sabor do romantismo clássico do cineasta, e o roteiro retoma um tema que o citado “Match Point” desenvolveu de forma mais sinistra. O espirito vivaz de Allen redescobre o frescor, a ironia, as situações complexas bem resolvidas, a ausência de moralismo. E reafirma aquela rara harmonia das coisas de Allen, aquele desequilibrio confortável, uma ingenuidade muito penetrante.

Sem duvida, aos 88 anos é um diretor que ainda tem muito a oferecer, a julgar por esta comédia negra irônica e inteligente.