Difícil um brasileiro não se lembrar onde estava no dia 8 de julho de 2014. No estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, o Brasil caía por 7 a 1 para a Alemanha na maior tragédia da história das Copas do Mundo. A seleção mais vitoriosa do planeta era impiedosamente goleada diante da sua gente em um resultado que traria marcas profundas para o futebol verde e amarelo.

Dez anos depois do "atropelo" alemão na semifinal daquele Mundial, a FOLHA relembra o fatídico jogo e ouve ex-jogadores, técnicos e jornalistas sobre as consequências daquele dia nebuloso e as mudanças que aconteceram (ou deveriam ter acontecido) no futebol brasileiro.

Em 2014, o Brasil sediava uma Copa do Mundo pela segunda vez na sua história. Em 1950, a derrota na final para o Uruguai ficou marcada como "Maracanazo". A pressão por jogar em casa era enorme para cima da seleção brasileira, que havia sido campeã mundial pela última vez em 2002. Depois de se classificar na liderança do grupo na primeira fase, mesmo não apresentando um grande futebol, o Brasil passou a ter muitas dificuldades já nas oitavas de final.

A classificação veio apenas nos pênaltis contra o Chile. Nas quartas, vitória dramática por 2 a 1 diante da Colômbia. O jogo ficou marcado pela séria lesão de Neymar, que ficaria fora do restante do Mundial. Apesar de reconhecer a força da Alemanhã - que viria a ficar com o título após vencer a Argentina na final -, jamais alguém imaginaria uma goleada daquele tamanho.

"O primeiro gol foi uma porrada geral na torcida. À medida que os gols foram saindo - foram quatro em seis minutos -, eu não vi ninguém chorando. O que eu percebi é que as pessoas estavam resignadas, incrédulas e conformadas pela goleada impiedosa", relembra o radialista Rodrigo Linhares, que participou da transmissão da rádio Paiquerê 91,7 naquela tarde no Mineirão.

"Depois que saímos do estádio, não havia ninguém nas ruas, nos restaurantes, era uma deserto só. No outro dia, as ruas de Belo Horizonte estavam vazias. Parecia que tinha passado um tornado na cidade e estava todo mundo em casa. Esta é a maior tragédia do esporte mundial, nunca vai ter nada igual."

O Brasil foi para o intervalo já perdendo por 5 a 0. Para o ex-zagueiro Márcio Alcântara, hoje comentarista, o que chamou a atenção foi a apatia do time brasileiro. "A estratégia do Brasil de partir para cima da Alemanha foi equivocada e deu no que deu. O placar seria maior se eles não tivessem tirado o pé", apontou.

As marcas do "Mineiraço" perseguem até hoje a seleção brasileira. O Brasil venceu apenas a Copa América de 2019 e conquistou dois ouros olímpicos em 2016 e 2020. Mas fracassou nos Mundiais de 2018 e 2022, com eliminações precoces nas quartas de final.

"Nada mudou em relação àquele fatídico dia. E uma prova disso é a atual fase da seleção. As duas últimas Copas mostraram a diferença do nosso nível tático e técnico para as grandes seleções da Europa", ressalta Valmir Martins, comentarista da rádio Clube FM. "Em termos de planejamento e filosofia, pior ainda. Foram dois técnicos depois da saída do Tite, Fernando Diniz e agora o Dorival. Dois treinadores com ideias totalmente diferentes."

TÉCNICOS ESTRANGEIROS

A Copa de 2014 também marcou negativamente as carreiras do técnico Luiz Felipe Scolari e do coordenador técnico Carlos Alberto Parreira. Campeões do mundo em 2002 e 1994, respectivamente, a dupla foi convidada pelo então presidente da CBF, José Maria Marin - que depois seria preso por corrupção -, para comandarem o projeto rumo ao hexa.

O fiasco da dupla naquele Mundial marcou uma mudança profunda no trabalho dos treinadores no Brasil. O técnico londrinense Edson Vieira, hoje treinador do São Caetano, lembra que depois do 7 a 1 a seleção se despediu da Copa perdendo de 3 a 0 para a Holanda na disputa do terceiro lugar.

"A mudança no mercado de treinadores foi brutal", comentou. "Vários treinadores jovens conseguiram ascensão, inclusive em grandes clubes e os mais maduros foram perdendo espaço. Muitos jovens fracassaram depois e aí surgiram os técnicos estrangeiros no Brasil, especialmente, os portugueses. Os melhores técnicos no futebol brasileiro nos últimos anos são Jorge Jesus, Abel Ferreira e (Juan Pablo) Vojvoda, do Fortaleza."

Para Vieira, há uma tendência muito grande de técnicos estrangeiros também virem para o Brasil para trabalharem em clubes de divisões inferiores. "Infelizmente, os técnicos brasileiros não têm espaço nas grandes ligas do futebol mundial."

Se a tragédia do Mineirão continua ferindo o futebol brasileiro, o torcedor espera por dias melhores e que o Brasil volte a encantar o mundo dentro das quatro linhas. "A seleção não mudou nada o critério das convocações. Jogadores que na minha opinião são comuns, são tratados como craques. Risco de um outro 7 a 1? Acho difícil. Mas corremos riscos de outros vexames pela diferença que vemos hoje por exemplo da Copa América para a Eurocopa", frisa Márcio Alcântara.

Oscar observa Schurrle comemorando o sexto gol da Alemanha na humilhante goleada de 7 a 1 sofrida pela seleção brasileira
Oscar observa Schurrle comemorando o sexto gol da Alemanha na humilhante goleada de 7 a 1 sofrida pela seleção brasileira