Entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2024, o número de paranaenses vítimas de estelionato por meio de fraude eletrônica já ultrapassa em 22% a quantidade de crimes dessa natureza praticada no Estado no mesmo período do ano passado. Segundo a base de dados da Sesp (Secretaria de Segurança Pública) do Paraná, nos primeiros oitos meses deste ano, 5.906 pessoas perderam dinheiro com algum tipo de golpe aplicado com o uso de meios eletrônicos contra 4.593 em 2023.

Se o ritmo dessas ocorrências for mantido, certamente os registros de 2024 irão superar os do ano passado. Neste ano, até agosto, o número de boletins de ocorrência relatando crimes de estelionato sem que houvesse o contato físico entre o autor e a vítima corresponde a 82% do total de 7.192 casos computados pela Sesp de janeiro a dezembro de 2023.

Os avanços tecnológicos possibilitaram maior comodidade aos consumidores e clientes bancários, que podem realizar compras e movimentar suas contas sem sair de casa, mas essas mesmas ferramentas também beneficiaram os golpistas. Há alguns anos, sem as facilidades propiciadas pelo uso da internet, a atuação dos estelionatários ficava mais restrita a um município ou região. A emissão de cheques sem fundo, os calotes no comércio e os golpes do bilhete premiado exigiam a interação entre os criminosos e as vítimas.

Agora, uma pessoa que cumpre pena em um presídio do Amazonas pode ser a dona da voz que do outro lado do telefone afirma ser funcionária de uma agência bancária e tenta convencer um morador de Londrina da existência de movimentações atípicas em sua conta corrente. Para proteger o patrimônio do cliente, o bancário prestativo precisa urgentemente dos dados pessoais e da senha do cartão.

Essa situação hipotética ilustra uma realidade diária nas delegacias de polícia de todo o país. Dentre as muitas modalidades de golpes a distância aplicados na atualidade, inventar uma fraude bancária e se passar por funcionário do banco para ludibriar as vítimas e fazer com que elas mesmas transfiram seu patrimônio para a conta de criminosos é uma das mais comuns. E reaver o dinheiro é uma tarefa quase impossível.

Ao acabar com as limitações impostas pelas leis da física e pela geografia, a internet dificulta muito o trabalho da polícia na repreensão a esse tipo de crime. Muitos desses golpes são cometidos por quadrilhas que agem de dentro do sistema penal. Somada às falhas na segurança dos presídios, que não conseguem evitar a entrada de aparelhos de telefone celular clandestinos nas celas, há ainda a morosidade da Justiça. Conseguir a quebra do sigilo bancário de um correntista leva 30 dias e, com grande frequência, ao rastrear o destino do dinheiro roubado das vítimas, os investigadores detectam o uso de “laranjas” e, assim, devem esperar mais 30 dias para que a Justiça conceda novas quebras de sigilo.

SUBNOTIFICAÇÃO

Responsável pela Delegacia de Estelionatos de Londrina, o delegado Edgard Soriani acredita que os números reunidos pela Sesp não refletem a realidade em razão da subnotificação. “Acredito que esse número é menor do que o real. Muitas pessoas ficam com vergonha e, sabendo da impunidade, não vão registrar o Boletim de Ocorrência.”

Conforme o balanço da Sesp-PR, somente na região de Londrina, os casos de estelionato por fraude eletrônica somaram 162 de janeiro a agosto deste ano, uma redução de 33% ante igual período de 2023, quando foram computados 245 ocorrências. Em todo o ano passado, foram 356.

Outro dificultador na elucidação dos crimes e punição dos autores, apontou o delegado, foi a mudança na legislação promovida a partir da aprovação do pacote anticrime, pelo Congresso Nacional, em 2019. Antes, a responsabilidade pela investigação dos casos de estelionato cabia à polícia do local onde foi aplicado o golpe. Com a alteração na lei, a vítima é ouvida na cidade onde reside e a intimação, a oitiva e a busca pelo paradeiro do dinheiro roubado serão feitas por carta precatória. “Para resolver o caso de um criminoso que está no Amazonas aplicando, diariamente, 70 golpes, seria mais fácil mandar cada inquérito, de cada estado, para lá. A delegacia de lá teria 70 inquéritos contra o mesmo golpista e puniria com mais rigor esse criminoso. A meu ver, a mudança na lei dificultou ainda mais a investigação do crime de estelionato”, explicou Soriani. “Ademais, o crime de estelionato é sem grave ameaça e sem violência. Quando descobre, não tem como pedir prisão preventiva.” O delegado lembrou ainda que muitos desses crimes são cometidos por pessoas que estão em outros países, o que torna a solução dos casos ainda mais complicada.

No momento, uma das ocorrências atendidas pela Delegacia de Estelionatos é a de um idoso de Londrina que repassou, entre transferências e empréstimos bancários, R$ 700 mil aos golpistas. “A tendência é o número, a cada ano, aumentar mais. As pessoas acabam aderindo e moldam a sua vida no uso da tecnologia. Pix, bancos digitais, toda a vida passa a ser controlada pelo celular. E cada vez mais, os criminosos utilizam desses avanços tecnológicos para aplicar golpes”, disse Soriani.

DELEGACIA ESPECIALIZADA

O advogado Fernando Peres, coordenador do Projeto Segurança na Rede e especialista em direito digital e em crimes cibernéticos, protocolou na Sesp, em 2022, um processo solicitando a criação de uma delegacia especializada em Londrina. Naquela época, em virtude da pandemia, que obrigou a população a aumentar as suas atividades on-line, ele já chamava a atenção para o aumento dos crimes dessa natureza. A reivindicação completou dois anos e a segunda maior cidade do Estado segue sem uma estrutura específica para o atendimento desses casos.

“A falta de uma delegacia própria colabora para o crime. Uma delegacia especializada poderia dar maior amparo e acolhimento às vítimas em crimes específicos, além de auxiliar na conscientização. Hoje, temos um esforço muito grande da polícia para solucionar, mas ela divide essas investigações com outras atividades”, disse Peres. Ele destacou que os estelionatos são apenas um dos crimes praticados no meio digital. Há muitos outros que assim como os golpes, também engrossam as estatísticas, como calúnia e difamação, crimes contra a mulher e pedofilia.

CARTILHA

Diante da dificuldade no combate ao estelionato virtual, a principal orientação é adotar medidas preventivas e desconfiar de tudo, sempre. Contatos via telefone, redes sociais ou e-mail solicitando informações pessoais e bancárias não são práticas utilizadas pelos bancos, assim como o envio de links por SMS ou por qualquer outro meio eletrônico. É preciso muito cuidado ao clicar em links porque podem abrir uma porta pela qual os criminosos terão acesso ao aplicativo do banco, por exemplo.

Para ajudar a população a se proteger dos estelionatários, a Polícia Civil do Paraná criou uma cartilha que além de dicas de prevenção traz uma lista e conteúdo explicativo sobre 21 tipos de golpes, virtuais ou não. As orientações para se precaver da ação dos criminosos são: desconfiar de ofertas muito boas para serem verdade, enviadas por links ou oferecidas por um desconhecido, na rua; manter informações pessoais em sigilo; atualizar os softwares no computador ou no smartphone e verificar sempre a autenticidade de contatos feitos por telefone, e-mail ou redes sociais. A cartilha completa está disponível no endereço www.policiacivil.pr.gov.br. Ao entrar no site, basta clicar na aba “Comunicação Social”.