O trecho de 20 quilômetros entre as cidades de Bela Vista do Paraíso e Sertanópolis era costumeiro, já que percorria a PR-090 todos os dias para ir ao escritório onde trabalhava como assistente administrativa. O dia 9 de março de 2023 começou como outro qualquer: era perto das 7h20 quando pegou a motocicleta para fazer o percurso.

Em uma região contornada por fazendas com plantações que seguem até onde os olhos podem ver, o plano de Sthefane Felipe Verdeiro, 24, era retornar para casa poucas horas depois naquele dia para continuar os preparativos para o casamento com o noivo, o servidor público Jorge Ferreira Aguilar, 31, marcado para menos de dois meses.

Ao bater na traseira de uma colheitadeira que teria invadido a pista contrária da rodovia, Sthefane ficou entre a vida e a morte. Ela passou mais de dois meses internada, além de tantos outros em uma recuperação dolorosa e lenta, que não apagou as marcas físicas e psicológicas.

O trauma causado pela batida foi tão forte que pedaços do crânio da jovem ficaram espalhados pela pista, conta Daniel Gaziri, cirurgião buco-maxilo-facial do Hospital Evangélico de Londrina. “A gente recebeu um quebra-cabeça faltando peças”, aponta. O médico detalha que a paciente chegou ao hospital com a exposição de massa encefálica e um grave trauma próximo ao olho esquerdo. “Ela tinha risco de óbito”, explica.

Nos meses seguintes ao acidente, Sthefane recebeu todo o suporte através de procedimentos e tecnologias convencionais que a salvaram, mas que não puderam devolver a vida de outrora. Apesar de não ter memória do momento e dos dias seguintes ao acidente, o choque veio após acordar do coma. “Parecia que eu estava vivendo um pesadelo. Em um dia você é independente e pode fazer todas as coisas, mas no outro não pode nem pegar sua água”, relata os momentos complicados que viveu no pós-trauma.

A jovem Sthefane Verdeiro, alguns dias após a operação, estava feliz com o resultado: seguir a vida, sem olhar para trás
A jovem Sthefane Verdeiro, alguns dias após a operação, estava feliz com o resultado: seguir a vida, sem olhar para trás | Foto: Sérgio Ranalli - Editor

CIRURGIA INOVADORA

Talvez o destino - ou o acaso - possibilitou o encontro entre o cirurgião, com vontade de fazer a diferença na vida de quem mais precisa, e da paciente, que topou um desafio arriscado. A jovem viu no procedimento uma oportunidade única de retomar a vida.

Gaziri afirma que o caso era tão desafiador porque faltavam os “pedaços do quebra-cabeça”, além das diversas fraturas ósseas na órbita ocular, inclusive com a perda de tecidos e gordura no lado esquerdo do rosto da jovem. Ao longo de mais de três meses de estudos envolvendo diversos profissionais Brasil afora, a junção da tecnologia e do profissional da medicina trouxe a solução através de um procedimento de reconstrução facial inovador e que nunca havia sido realizado no país.

Assim como toda a estrutura foi danificada, a visão no lado esquerdo também ficou comprometida, o que exigia que a prótese 3D tivesse inclinações específicas para reposicionar o globo ocular.

O caso de Sthefane é o primeiro do Brasil a utilizar a tecnologia inovadora e que pôde devolver a dignidade e o sorriso no rosto. A empresa responsável pela confecção da prótese é alemã e o material utilizado é o titânio, por ser biocompatível, o que evita rejeição, além de ser leve e termicamente confortável. No total, 13 profissionais participaram do procedimento, incluindo especialistas do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.

A equipe médica usou uma prótese confeccionada em titânio por uma empresa na Alemanha:  biocompatível e leve
A equipe médica usou uma prótese confeccionada em titânio por uma empresa na Alemanha: biocompatível e leve | Foto: Sérgio Ranalli - Editor

TECNOLOGIA E PRECISÃO

A prótese chegou desmontada em diversas partes, que foram sendo colocadas nos espaços corretos no crânio da paciente. Para isso, além da prótese, também foram impressos guias para identificar os locais em que precisariam ser feitos os cortes e onde cada pedacinho teria que ser encaixado, o que resultou em ganho de tempo e de precisão. “Quanto menos invasiva é uma cirurgia, mais rápido o paciente recupera e menos dor ele sente no pós-operatório”, avalia.

A cirurgia foi realizada no último 12 de julho e, ao todo, levou mais de sete horas para ser concluída. O procedimento, de acordo com o médico, ocorreu como o planejado. Por conta da complexidade, o pós-cirúrgico vai envolver duas etapas, sendo que a primeira é a regressão do inchaço facial; depois, começa a fase da fisioterapia motora-ocular pelo fato de os olhos terem permanecido em posições irregulares por mais de um ano. “Eu acredito que dentre três meses a vida dela esteja seguindo em normalidade”, afirma.

A prótese chegou desmontada em diversas partes, que foram sendo colocadas nos espaços corretos no crânio da paciente
A prótese chegou desmontada em diversas partes, que foram sendo colocadas nos espaços corretos no crânio da paciente | Foto: Sérgio Ranalli - Editor

CENÁRIO NACIONAL

Sthefane garante que está muito feliz com o resultado e que o foco agora é seguir a vida ao lado da família e do noivo que, em breve, vai poder chamar de marido. “Eu estou muito mais tranquila agora e muito mais calma, quero aproveitar cada vez mais as coisas ao meu redor e seguir para frente sem olhar para trás e sem ficar remoendo tudo o que já aconteceu”, afirma.

Através das inovações tecnológicas, o Hospital Evangélico de Londrina está despontando em um cenário nacional no que diz respeito à reconstrução facial de pacientes vítimas de traumas e que, antes, eram vistos como sem solução. “Que seja o primeiro de vários devolvendo dignidade para essas pessoas”, afirma Gaziri. Esse, segundo ele, é apenas o primeiro passo de muitos que ainda virão.

Para ele, aliar a tecnologia e a medicina é uma forma de melhorar o tratamento dos pacientes, trazendo mais eficiência, qualidade e a retomada de uma vida digna. “Para poder viver e não apenas sobreviver”, ressalta.

A cirurgia inédita contou com a participação de 13 profissionais, incluindo 2 especialistas do Hospital Sírio-Libanês
A cirurgia inédita contou com a participação de 13 profissionais, incluindo 2 especialistas do Hospital Sírio-Libanês | Foto: Sérgio Ranalli - Editor