Repleta de pessoas, crenças, culturas e pensamentos, a história de Londrina é marcada pela pluralidade. No dia 10 de dezembro, a história vai ganhar mais um capítulo, o 90°, que trata do desenvolvimento da segunda maior cidade do Paraná e uma das mais importantes do Brasil. Apesar da sua grandiosidade, Londrina ainda guarda características de cidade do interior, com seus moradores mantendo relação de confiança e amizade com os comerciantes da região onde moram. E o caso da Banca Rodeio. Localizada no coração do centro de Londrina, cada cantinho do estabelecimento carrega história e tradição.

Há mais de cinco décadas na esquina entre a Rua João Cândido com a Alameda Miguel Blasi, os jornais mantêm a clientela antenada e informada sobre o que acontece em Londrina, no Brasil e no mundo. Uma sintonia que dá certo e rende frutos, já que diferentes gerações de uma mesma família passam por ali todos os dias.

E não tem como falar em Banca Rodeio sem falar de Carlos Alberto de Souza Pinto. Carioca da gema, Carlão desembarcou em terras londrinenses em 1987. O negócio pertencia à família dele, mas o empresário assumiu o negócio em 1992 para nunca mais largar. Carismático e com o dom de manter o vai e vem de uma conversa boa, ele não perdia a piada nem mesmo quando o Flamengo “perdia”. Entre aspas, já que tinha convicção de que time grande nunca perdia.

A mão que oferece carinho e auxílio é a mesma que recebe, muitas vezes, em dobro o que já foi compartilhado com os clientes fiéis e os colegas comerciantes. Após 30 anos dirigindo a banca, Carlão faleceu em janeiro de 2022 por conta de uma infecção intestinal. A partida repentina rendeu homenagens das mais diversas pessoas que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

O LEGADO DE CARLÃO

Londrina não perdeu o Carlão. Londrina ganhou o Carlão por 52 anos. Um tempo muito bem vivido, representado por um amor de pai para filho com a Banca Rodeio. Encabeçando os negócios desde então, Samanta Bonavigo, 33, é biomédica por formação, mas seu coração sempre esteve na vida do vai e vem do comércio. Companheira de vida, parceira de trabalho e amiga para todas as horas, o casal ficou junto por três anos. 36 meses. Ela diz que a união era coisa de outro mundo. Quem sabe até de outras vidas.

Delicada e detalhista, Samanta conta que Carlão sempre se preocupou em trazer o melhor para os seus clientes. A organização e a disposição das revistas, jornais e demais produtos davam gosto de ver. Há quem, garante ela, parava só para admirar. Seguir sem o companheiro não foi e ainda não é fácil, mas afirma que ele está presente em todas as decisões, assim como na memória e no coração.

Imagem ilustrativa da imagem Guardiã da informação, Banca Rodeio tem 50 anos de Londrina
| Foto: Sergio Ranalli

ÚLTIMA BANCA DE PORTA PARA A RUA

A Rodeio é a última banca da cidade de porta para a rua, já que as demais migraram para galerias, supermercados e shoppings após uma mudança no Código de Postura do município em 2011. Como a Rodeio fica em um ponto particular, não foi atingida pela norma que tirou as bancas das calçadas de Londrina.

É resistir através dos tempos e das modernidades. Hoje, a banca tem como carro-chefe os jornais, as revistas e os passatempos para quem gosta de “passar o tempo” caçando palavras ou completando cruzadas. Como tradição, o cigarro e o isqueiro não podem faltar, assim como a bala e o chocolate para fechar o pacote.

Com uma clientela que se renova ano após ano, há quem herdou dos pais o costume de comprar o jornal de todo dia e a revista da semana. Mas se engana quem pensa que a Banca Rodeio é referência apenas no que diz respeito à hemeroteca, já que para quem está perambulando e precisa saber onde fica localizado algum comércio, loja ou rua nas redondezas do centro, é ali o ponto “oficial” de informação.

A Banca Rodeio desperta as mais variadas memórias. “Eu levanto todos os dias para não deixar que o nome dele (Carlão) se apague”, afirma. Além dos desafios diários, Samanta tenta reverter uma ação de despejo movida pela administração do prédio onde a banca funciona.

As apostilas para concurso e vestibular da Banca Rodeio contribuíram para a formação de muitos londrinenses que ganharam o mundo. Da mesma forma, os jornais e revistas informaram sobre o que acontecia em Londrina e nos demais cantos do mundo. “O papel da Banca Rodeio com a cidade de Londrina sempre foi o de formar e informar”, reconhece Samanta.

Com o Carlos presente em cada cantinho, o futuro da Banca Rodeio está em ajudar as pessoas e ser uma referência na venda de revistas e na maneira amiga e carinhosa de receber as pessoas. “Criar relações, criar conexões e poder fazer a diferença na vida de quem passa por ali”, ressalta.

PERSISTIR E RESISTIR

Jornalista e escritor, José Antonio Pedriali é enfático ao afirmar que a Banca Rodeio merece o título de patrimônio cultural e social de Londrina. Em primeiro lugar, é o ponto de encontro dos “fofoqueiros da Boca Maldita”, como explica, já que eles se aglomeravam em frente para ler e comentar as manchetes dos jornais expostos numa de suas paredes laterais. A banca também fica entremeio às paredes do antigo Restaurante Rodeio. “Muito mais que um restaurante, porque consagrou-se como ponto de encontro de pessoas de todos os níveis sociais”, reforça.

Para ela, a Banca Rodeio é sinônimo do Carlão, que a amoldou ao seu dinamismo e gentileza com os clientes. “Carlão abria e fechava a banca todos os dias, dando-se uma pequena folga somente no domingo à tarde. Tinha uma penca de clientes cadastrados, dos quais recebia encomendas ou oferecia publicações recém-chegadas. Conhecia-os pelo nome, profissão e gostos pessoais”, descreve.

“A “Boca Maldita” limita-se hoje a poucos remanescentes, o Restaurante Rodeio encerrou as atividades, Carlão se foi. Mas a Banca do Rodeio mantém-se firme e forte porque o estilo de Carlão é preservado pela sucessora Samanta, que aprendeu com ele a arte de atender bem”, conclui.

IMPORTÂNCIA CULTURAL

Proprietário da Alfa Distribuidora, Ivan Marcelo afirma que a importância da Banca Rodeio para Londrina cresceu ainda mais na década passada, já que é a única que se manteve em todo o quadrilátero central. “Carlos lutou contra essas mudanças e conseguiu permanecer sem desfigurar a característica visual de seu ponto de venda”, afirma. Para ele, a banca tem uma importância cultural para Londrina, já que traz à população a possibilidade de ter acesso rápido e fácil aos jornais, revistas e apostilas para concursos.

Wilson da Silva conheceu Carlos em 2006, ano em que começou a trabalhar em um estacionamento na Avenida São Paulo. “Um amigo incondicional, sempre sorridente e feliz com a vida” é como define Carlão. Para ele, a localização privilegiada e estratégica faz com que a Banca Rodeio seja um símbolo para Londrina. “Em minhas idas e vindas pelo centro de Londrina, jamais minha passagem na frente da Banca Rodeio passou despercebida aos olhos do amigo Carlos. Saudades do homem”, lamenta.

A história da Banca Rodeio faz parte do "Marcas do Tempo" projeto da FOLHA em comemoração aos 90 anos de Londrina.

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