Uma piada e uma reflexão
O bêbado da piada não conseguia pensar além de uma satisfação imediata e por isso mesmo a oportunidade de outros desejos foi desperdiçada
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 08 de janeiro de 2024
O bêbado da piada não conseguia pensar além de uma satisfação imediata e por isso mesmo a oportunidade de outros desejos foi desperdiçada
Sylvio do Amaral Schreiner
Uma piada conta sobre um bêbado que achando uma lâmpada mágica faz aparecer um gênio que diz que pode conceder três desejos. O bêbado se esforça para pensar sobre o que poderia pedir e acaba dizendo que quer uma garrafa de pinga que nunca seque, que sempre lhe proporcione bebida. O gênio magicamente cria tal garrafa e entrega ao bêbado que fica maravilhado e corre logo a testar para ver se é verdade. Vendo que sim, que a garrafa não ficava vazia, dá gritos de euforia e o gênio diz que ainda há mais dois desejos a ser concedido. O bêbado nem pensa mais nada e diz que quer mais duas daquela garrafa mágica.
Um dos problemas do compulsivo é que ele não consegue ‘pensar’, só quer apenas satisfazer a sua compulsão. Repete-se, sem cessar, procurando uma gratificação que na verdade nunca ocorre. Isso pode se dar com álcool, com drogas, com compras, com sexo e de muitas outras formas. Não se sai de uma repetição que aos poucos vai criando cada vez mais desespero.
Sair de um estado de compulsão não é fácil e demanda muito trabalho interno. Não é à toa que é tão difícil a recuperação de drogados, por exemplo. Para uma verdadeira recuperação requer que a pessoa em questão se envolva e se comprometa com a própria recuperação e que tenha tolerância para altas doses de frustração durante todo esse processo. Mesmo uma pessoa recuperada não significa que ela está imune, que não vá ter recaídas, mas a obriga a manter constante atenção para consigo mesma para o resto da vida.
A compulsão gera, inicialmente, muito prazer e por isso mesmo é altamente viciante. Achar que se pode viver a vida, que nos dá tantos dissabores e decepções, de maneira que apenas prepondere o prazer é algo muito sedutor. Freud criou os conceitos de princípio do prazer e princípio da realidade que são de extrema importância para a psicanálise e nos permite entender muito sobre como nossa mente funciona e nos afeta.
Queremos buscar e sentir prazer acima de tudo e repelir qualquer coisa que nos traga desprazer. Isso é o que basicamente consiste no princípio do prazer e que predomina numa mente mais primitiva e menos trabalhada. No entanto, viver assim, só em prol do prazer, impediria que nos desenvolvêssemos. A própria civilização correria riscos e nada poderia ser construído e mantido. Construir, estudar e manter exige tolerar frustrações e adiar o prazer que é tudo o que o princípio do prazer não suporta.
Já o princípio da realidade implica em renunciar a alguns prazeres para que possamos nos adaptar à realidade e a construir algo nela. Isso exige esforço e se esforçar é sempre desprazeroso. Depois, a consequência desse esforço¨pode até se revelar prazerosa, mas leva tempo e não é imediato. Por isso que vencer uma compulsão não é fácil e demanda trabalho. No entanto, há pessoas que aprendem a lidar com suas compulsões de maneira favorável e vivem uma vida muito realizada.
O bêbado da piada não conseguia pensar além de uma satisfação imediata e por isso mesmo a oportunidade de outros desejos foi desperdiçada. É assim que muitos compulsivos acabam vivendo: desperdiçam qualquer oportunidade e chances que têm porque não conseguem enxergar além.
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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina