A preocupação com o estado do mundo é uma constante que atravessa épocas e gerações. No entanto, a angústia que surge dessa preocupação pode frequentemente ser mais sobre a nossa própria condição interna do que sobre as circunstâncias externas. Freud nos ensinou que o sentimento de angústia que sentimos sobre os mais variados assuntos é inseparável das tensões intrapsíquicas que habitam cada indivíduo. Deste modo, a ideia de que a transformação pessoal precede qualquer tentativa de transformação do mundo ganha uma ressonância no campo da psicanálise.

Para abordar a transformação pessoal como uma resposta à preocupação com o mundo, é essencial explorar a relação entre o sujeito e seus objetos internos. Melanie Klein nos ofereceu uma compreensão profunda de como as fantasias inconscientes e as relações objetais influenciam nossa percepção da realidade. Segundo Klein, os primeiros anos de vida são marcados por ansiedades primitivas e mecanismos de defesa, como a clivagem e a identificação projetiva, que vão marcar como sentimos e nos relacionamos com o mundo ao longo da vida.

Transformação pessoal não deve ser confundido com uma noção simplista de felicidade superficial ou sucesso. Na perspectiva psicanalítica, transformar-se implica um processo contínuo de se deparar consigo e de reconciliação com os aspectos reprimidos da mente. Wilfred Bion, psicanalista inglês, propôs a noção da capacidade de transformar experiências emocionais brutas em pensamentos digeríveis. Esse processo não é linear nem isento de dor, mas é fundamental para alcançar uma harmonia que, por sua vez, pode se refletir em nossa percepção e ação no mundo.

Em termos práticos, essa transformação começa pela análise dos nossos desejos, medos e conflitos internos. A escuta analítica permite desenterrar os nós da nossa subjetividade, revelando as narrativas que nos aprisionam em padrões de repetição. Através da fala, o paciente pode começar a reescrever essas narrativas, libertando-se das compulsões que frequentemente se manifestam como preocupações excessivas com o estado do mundo.

Ademais, a transformação pessoal também envolve a capacidade de tolerar a incerteza e a ambiguidade, aspectos inevitáveis da existência humana. Donald Winnicott, nos fala sobre a importância de criar um espaço potencial, onde a criatividade e a capacidade de estar só podem florescer. É nesse espaço que o sujeito pode explorar novas formas de ser e de se relacionar com o mundo, desenvolvendo uma resiliência que permite enfrentar os desafios externos sem sucumbir à desesperança.

Finalmente, a transformação pessoal implica uma responsabilidade ética, desenvolvendo uma forma de contribuir para um mundo mais consciente e compassivo. Como nos lembra Bion, o ato de pensar é, em si, um ato de coragem e de compromisso com a verdade. Ao nos transformarmos, não apenas aliviamos nossa própria angústia, mas também nos tornamos agentes de mudança, capazes de inspirar e sustentar transformações em nosso entorno.

Preocupar-se com o mundo é um reflexo da nossa própria inquietude interna. Transformar-se é, portanto, o primeiro passo para abordar essas preocupações de maneira eficaz. Se alguém quer cuidar do mundo, precisa primeiro cuidar de si mesmo.

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