A ideia de que "Ninguém se banha no mesmo rio duas vezes, mas é possível afundar várias vezes na mesma lama" carrega uma profundidade que se entrelaça com conceitos psicanalíticos fundamentais sobre repetição, trauma e a natureza do inconsciente. Essa frase representa algo que acontece na vida de todos nós em algum momento ou outro

Heráclito, pensador grego da antiguidade, nos oferece a primeira parte do adágio, refletindo a ideia de que tudo está em constante mudança; o rio simboliza o fluxo incessante da vida e da experiência. Cada momento é singular, cada banho é único, pois o rio - e nós mesmos - estamos em constante transformação. Na psicanálise, esse fluxo contínuo pode ser comparado ao dinamismo das forças psíquicas, onde os conteúdos e elementos mentais estão em um eterno movimento e interação. Nossa mente não é uma coisa estática, parada, mas algo cuja natureza mostra uma inquietude e dinâmica. E é essa movimentação que leva à evolução.

Entretanto, a segunda parte da frase nos conduz a um território mais sombrio e repetitivo: a lama. Afundar na lama diversas vezes sugere a ideia de repetição compulsiva, um conceito central na obra de Freud. Essa repetição é a insistência em se reviver e reencenar experiências traumáticas, muitas vezes sob disfarces diferentes, mas com um núcleo emocional invariavelmente familiar e doloroso. Ninguém se repete porque quer, é importante deixar claro, mas é algo que vai ocorrendo sem a pessoa se dar conta. Em outras palavras, ela não percebe, nitidamente, que está se repetindo.

A lama representa esses padrões psíquicos que nos prendem, esses ciclos repletos de angústias e sofrimentos que parecem inevitáveis. É sentido, muitas vezes, como se fosse o nosso destino inescapável. A lama é o terreno do sintoma, onde o indivíduo se enreda nas suas próprias armadilhas psíquicas. Esse afundamento repetido é um reflexo da resistência à mudança, da dificuldade de elaborar e integrar experiências traumáticas e conflitos internos.

No processo analítico, buscamos através da relação que se desenvolve entre analista e analisando ao longo das sessões iluminar essas áreas ‘lamacentas’ da psique, trazendo à consciência os conteúdos recalcados e compreendendo os mecanismos de defesa que perpetuam a repetição. A interpretação e a elaboração dessas vivências são os caminhos para a transformação. A análise oferece a possibilidade de enxergar o rio em movimento, reconhecendo que, embora a lama possa estar sempre presente, há sempre a possibilidade de navegar por novas águas, de encontrar novos significados e de redescobrir a própria essência em um fluxo contínuo e renovador.

Assim, enquanto o rio nos lembra da impermanência e da possibilidade de renovação, a lama nos alerta para os perigos da estagnação e da repetição. A psicanálise, nesse contexto, se apresenta como um instrumento para transitar entre esses dois estados, promovendo a compreensão, a cura no sentido psicanalítico e, finalmente, a liberdade do indivíduo para se banhar em novas águas, mesmo que carregue consigo a memória das experiências antigas

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