Num sítio, entro numa casa de madeira como num túnel do tempo. A cobertura da varanda não tem forro, então se lê nas telhas em alto relevo: Theus de Ourinhos Ltda, fone 22-5877. Alguém me conta que têm mais de setenta anos essas telhas, minha idade, e então as lembranças chegam sem pedir licença...

Foi numa casa de madeira também sem teto que aconteceu aquilo. Minha mãe apagou a luz do quarto e saiu, aí na escuridão ouvi o que seria um voo de pernilongo se não fosse tão forte, e desceu até meu peito, enfiando-se pela gola do pijama, fremindo e assim parecendo um bichinho furioso.

Comecei a gritar mãe, mãe, me debatendo na cama, com medo de meter a mão naquilo e sentindo o bicho a me alvoroçar o peito. Ela abriu a porta, acendeu a luz apertando a pera pendurada por um fio na parede, agachou, me desabotoou o pijama com ligeireza e bateu a mão no meu peito.

Assustado, olhei para o peito e consegui ver, ainda palpitando e já escorrendo, o que ela tranquilamente falou: - Barata voadora.

Como foi certeira e sábia! Rápida e certeira no tapa, sábia ao não dramatizar aquilo que me apavorou mas, graças a ela, passei a ver apenas como coisa sem importância, dormi tranquilizado. E até hoje, diante de imprevisto que precisa resposta, ajo rápido e precisamente como ela naquela noite.

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. | Foto: Dalva Vidotte /Divulgação

Minha sogra, dona Lúcia, mora em casa de madeira, de modo que, quando visito, gozo do acolhimento que só as casas de madeira tem. Nos quatro bairros mais históricos de Londrina – Nova, Casone, Ipiranga e Brasil – as muitas casas de madeira vão dando lugar a novas casas ou edifícios. Tomara que ao menos algumas continuem como símbolos da simplicidade e da praticidade de nossos pioneiros.

São todas muito parecidas. Varanda e quarto na frente da casa, depois a sala e mais um ou dois quartos, cozinha e banheiro. Sem corredor e sem degraus, casas para poucos e fáceis passos. E, aqui e ali, piso fresquinho de vermelhão, como na varanda da casa da nonna Paulina onde deitado li tantos gibis.

A casa de Vó Tiana era sobre toras, assim formando um porão baixo e aberto entre o piso e o chão, onde se guardava lenha e tranqueiras e um guri podia ter esconderijos, entre galinhas transitantes e cachorros companheiros. Eu ouvia as pessoas andando acima de mim, e assim me achava no centro do mundo.

Agora, esta casa de madeira que visito de repente estala, e lembro da casa da nonna. Uma noite, depois de muito brincar, fui dormir tarde, já com os nonnos também indo para a cama, e senti sede. Já me achando homem com meus dez anos, levantei no escuro e fui até o filtro na cozinha, e lá de seu quarto ela me chamou: tudo bem, Dominguinho? Tudo bem, respondi, e no dia seguinte perguntei como sabia que era eu. Pelo rangido do piso de tábuas, ela revelou, e pelo jeito de pisar...

Agora um ventinho perpassa a casa de madeira, e do fogão a lenha vem um cheirinho de fogo que dá fome e saudade. Para um pé-vermelho, casa de madeira é berço de lembranças, lava a alma e faz bem pro coração.