Ibiporã - Existem lugares que despertam a memória afetiva das pessoas. Além da própria história, são odores, texturas, cores, sons e espaços característicos que evocam emoções particulares. Por meio deles é possível compreender o que é a cidade para os seus habitantes. No entanto, conforme o tempo passa e os moradores mais antigos se vão, muitas dessas identidades culturais podem se perder. Ou então ganhar significados diferentes para um público mais novo.

Alzira Polito abriu com o marido Antônio Fôlego a lanchonete, famosa pelo suco de jaca
Alzira Polito abriu com o marido Antônio Fôlego a lanchonete, famosa pelo suco de jaca | Foto: Marcos Zanutto - Grupo Folha

São espaços como a Lanchonete Jaqueira, que existe em Ibiporã desde 1957 e já passa pela terceira geração. O local foi criado como um ponto de venda de frutas pelo casal Alzira Polito e Antônio Fôlego. “Viemos ao Paraná quando meu sogro comprou uma chácara. A cidade era bem fraquinha. Tinha muito mato. Quando nos mudamos estavam fazendo esse asfalto aqui em frente (se referindo à rodovia Melo Peixoto - BR-369)”, recorda Polito, 88, dizendo que ela e o marido residiam em Mauá (SP).

O casal começou vendendo melancia, jaca e abacaxi que, na época, eram comercializadas inteiras. Eles tiveram 12 filhos. “Criança dá trabalho. Mas depois que cresceram todos passaram a ajudar aqui”, relata a comerciante. O caçula, Reginaldo Fôlego, 44, trabalha na lanchonete e conta que boa parte das frutas vendidas é produção própria. “Aqui no pomar temos manga, jaca, abacate, melão e outras variedades. Alguma coisa, como as frutas cítricas, compramos na Ceasa”, relata, ressaltando que a fruta preferida dos clientes é a jaca.

“Ela tem um sabor muito agradável, diferente. Adicionamos outros sabores à jaca, como o morango e açaí e deu a união perfeita. Mas o suco de jaca puro ainda é o mais conceituado”, enaltece.

Ele ressalta que as melhorias no local foram realizadas ao longo dos anos e espera passar essa tradição para as próximas gerações. Sua sobrinha Samara Fôlego Lopes, 26 , é a terceira geração trabalhando na Jaqueira. “Eu tenho muito orgulho. Hoje em dia é difícil um estabelecimento como esse permanecer por muitos anos”, afirma. “A gente não faz propaganda. Quem faz a divulgação boca a boca são nossos clientes. Todos os dias chegam de duas a três pessoas que nunca tinham tomado suco de jaca na vida”, aponta.

Apae foi fundada por um médico em 1968

Paulo Silvério Pereira, diretor pedagógico, fala sobre a história da instituição: visibilidade às pessoas com deficiência
Paulo Silvério Pereira, diretor pedagógico, fala sobre a história da instituição: visibilidade às pessoas com deficiência | Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Outro local bastante representativo em Ibiporã é a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), localizada em uma área cheia de árvores frondosas. Para os pais dos atuais e também de ex-alunos, o espaço desperta lembranças de cada conquista educacional de seus filhos, suas evoluções e suas apresentações. A instituição foi fundada pelo médico Justino Alves Pereira, no dia 13 de julho de 1968.

O primeiro endereço da Apae foi o Colégio Maria Imaculada, instituição que havia sido inaugurada pouco tempo antes, onde funcionavam os cursos primário e ginasial. Nessa época um grupo de pessoas lideradas por Pereira instalou uma escola que abrigava crianças especiais e recebeu o nome de Escola João XXIII, iniciando suas atividades com seis alunos. Em 1972, com a extinção do ensino regular no colégio, o prédio foi colocado à disposição do ensino especial. A Escola João XXIII permaneceu no mesmo endereço até 1983, quando foi transferida para sua sede própria, localizada em um terreno rural doado pelo governo do Estado.

“Olhando essa trajetória de mais de 50 anos vejo a evolução. A Apae deu condição às famílias e mostrou a necessidade de tirar as pessoas com deficiência da invisibilidade de dentro de suas casas. A partir disso teve início o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento. Vejo essa evolução como positiva, principalmente para o município de Ibiporã”, ressalta diretor pedagógico da escola, Paulo Silvério Pereira. A escola possui hoje 245 alunos matriculados.

'REPRESENTAR O PIONEIRISMO'

Tanto a Lanchonete Jaqueira como a Apae foram registradas no projeto "Sou Ibiporã", que envolve os alunos do curso de Audiovisual da secretaria municipal de Cultura e Turismo e divulga a história de lugares interessantes da cidade. O coordenador do curso, Samuel Tavares, relata que é uma forma de trazer uma parte da história de Ibiporã que estava esquecida. “O pessoal do audiovisual teve ideia de recuperar a história de algumas pessoas do comércio e de algumas pessoas que trabalham na rua, como o pipoqueiro e o vendedor do carrinho de cachorro quente”, destaca.

A ideia surgiu depois que foi realizado o documentário “Contos e Causos” e muitos pioneiros ficaram de fora desse material. “Nesse primeiro momento a gente escolheu a parte do comércio”, destaca. Além da Jaqueira e da Apae, foram retratadas a segunda sapataria da cidade, a farmácia mais antiga da cidade, um dos primeiros supermercados, que ainda permanece em atividade, entre outros espaços. Estou satisfeito com o projeto por ele resgatar a memória, ao mesmo tempo em que ensinamos as técnicas do audiovisual aos alunos”, aponta.

A professora do curso, Thainara Pauletti , ressalta que a pesquisa para a escolha dos locais foi realizada principalmente por indicações em grupos de redes sociais. “Outros personagens a gente já conhecia quando fez o documentário.” A história que mais a tocou foi a da Jaqueira. “Eles chegaram de São Paulo e não tinham nada”, relembra.

O secretário municipal de Cultura e Turismo, Aguinaldo Adélio, ressalta que as pessoas retratadas são aquelas que contribuíram para o desenvolvimento do comércio e também do próprio município. “Há planos de expansão do projeto. Depois de falar sobre o comércio vamos retratar outras histórias, como as de representantes de bairro ou de moradores mais antigos dos bairros. A ideia é sempre representar o pioneirismo e qual a importância na contribuição para a história de Ibiporã”, aponta.