Em meio a uma gama de fatores que pode levar à criança ao estresse,  o dentista precisa ter um olhar macro sobre o bruxismo
Em meio a uma gama de fatores que pode levar à criança ao estresse, o dentista precisa ter um olhar macro sobre o bruxismo | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Um mundo ansioso, extremamente consumista, acelerado e cheio de cobranças desnecessárias e inatingíveis. Conceituar a sociedade pós-moderna ou - como tratava o filósofo polonês Zygmunt Bauman - a “modernidade líquida”, significa dizer que a vida atual está num ritmo incessante de transformações que geram angústias e incertezas para quem vive nestes tempos difíceis. As crianças, infelizmente, não estão imunes a isso. Uma sobrecarga que vem de todos os lados, e associada a fatores de personalidade, estão influenciando diretamente na saúde bucal dos pequenos.

Com o advento de novas tecnologias e diagnósticos, o bruxismo infantil, ato de ranger e apertar os dentes, deixou de ser considerado fisiológico e passou a ser conceituado como um comportamento. Ou seja, o que antes a pesquisa considerava algo comum no processo de desenvolvimento das crianças, já que há uma troca de dentes natural e instabilidade da mandíbula, passou a estar ligado a um comportamento multifatorial, incluindo componentes emocionais como ansiedade e estresse ligados diretamente ao sistema nervoso central.

Junia Serra-Negra é professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) , com doutorado no tema. Ela é coordenadora da área de odontopediatria da universidade e representante brasileira a um grupo de pesquisadores mundial no Consenso Internacional de Bruxismo, com inúmeros trabalhos que mostram como fatores externos (ambientais) e de comportamento influenciam diretamente “no gatilho” do bruxismo infantil.

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“Nas décadas de 1980 e 1990 não havia trabalhos sobre o bruxismo em crianças porque se considerava algo fisiológico. Mas hoje temos levantamentos da faculdade com base populacional em que encontramos uma prevalência do bruxismo em fase escolar de 35%. Isso é muito alto”, alerta a pesquisadora. A Bebê Clínica, órgão da UEL (Universidade Estadual de Londrina) , realizará uma pesquisa com foco no bruxismo em bebês. O trabalho será em parceria com a UFMG (leia mais nesta página).

Em parceria com a área de psicologia da UFMG, Serra-Negra primeiramente traçou a personalidade das crianças com bruxismo, muitas vezes perfeccionistas, com dificuldade de lidar com a raiva e frustrações da vida cotidiana. Depois, constatou que fatores externos, como cobranças da família, além de exigências em casa e da escola, também desencadeavam o bruxismo nos pacientes avaliados dentro da universidade. “Temos pacientes em que a mãe faz um cronograma do filho com natação, balé, judô, informática e inglês, além da escola. O estresse pode vir de diversas formas. Uma criança, por exemplo, pode ficar estressada porque não foi para a Disney. Mas do outro trabalho, que fiz com crianças de 7 a 10 anos, havia casos de bruxismo porque a criança tinha a responsabilidade de cuidar do irmão de dois anos, e ainda cozinhar, varrer e cuidar da casa enquanto a mãe trabalhava.”

Serra-Negra não tem dúvidas que esse “mundo estressor”, que inclui também o início cada vez mais precoce da fase escolar, é desencadeador do bruxismo. “O ato de apertar e ranger os dentes é um mecanismo adotado para liberar a tensão e os conflitos do dia a dia. Também temos trabalhos científicos que provam que vítimas de bullying são mais propensas ao bruxismo.”

Em meio a essa gama de fatores que pode levar a tal comportamento da criança, o dentista precisa ter um olhar macro sobre o bruxismo infantil. “O essencial para quem trabalha com crianças é uma anamnese bem detalhada, abordando detalhes importantes da família, da escola, sendo que é preciso saber a forma adequada de abordar isso.”

Imagem ilustrativa da imagem Bruxismo - o  'peso' do mundo sobre os dentes das crianças
| Foto: Folha Arte

PROTEÇÃO

A odontopediatra Sandra Kalil Bussadori, conselheira da Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), acrescenta que o bruxismo pode ser considerado um fator de proteção, indicando que alguma coisa não está em equilíbrio em determinado momento. “Por exemplo, em pacientes que respiram muito pela boca ou que têm problemas de obstruções nasais. Mas de acordo com a nova definição, ele também pode ser considerado um fator de risco como no caso de uma disfunção temporomandibular. Então, o bruxismo tem várias facetas, se manifestando de formas diferentes e em diferentes situações no indivíduo”, completa.

Em relação ao diagnóstico, Bussadori diz que além do exame clínico e da anamnese bem conduzida há ainda a possibilidade de fazer uma análise da dopamina e do cortisol salivar. “O cortisol por conta do estresse e a dopamina porque a alteração pode estar relacionada a doenças que afetam a motricidade dos músculos. “Alguns profissionais indicam essa dosagem, mas isso deve ser feito em situações específicas”, pontua.

A odontopediatra Sandra Kalil Bussadori tem se debruçado em estudos e pesquisas em busca de novidades para o tratamento de bruxismo infantil. Ela é conselheira no Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo) e confirma uma maior incidência em crianças nos últimos anos.

ESTUDOS COM LUZ

Bussadori vem conduzindo, com alunos e demais pesquisadores,estudos com luz (laser/LED) para minimizar as consequências do bruxismo, como a sobrecarga nos músculos de mastigação, cefaleia e o desgaste da estrutura dental. “Trabalhamos com laser de baixa potência nos acupontos (pontos de acupuntura)da criança e os resultados têm sido bem legais, de forma sistêmica. Trabalhamos também com placas de LED terapêutico nos músculos mastigatórios, mas o melhor resultado tem sido nos acupontos”, detalha.

Os estudos têm sido conduzidos dentro do Programa de Mestrado e Doutorado em Biofotônica aplicada à Ciências da Saúde e em Ciências da Reabilitação, da Uninove (Universidade Nove de Julho), em São Paulo, onde Bussadori é docente.

Os trabalhos de fotobiomodulação, segundo ela, são recentes e não atacam o bruxismo propriamente dito, mas têm o objetivo de evitar consequências dessa desordem funcional. Os grupos de pesquisa também fizeram ensaios clínicos controlados com massoterapia, obtendo resultados efetivos e com chá de melissa, que não apresentou mudanças significativas.

PADRÃO

Como tratamento padrão para o bruxismo infantil, Bussadori cita a placa oclusal (de acrílico ou silicone) com expansor, que tem como função preservar a estrutura dental. “O expansor é por conta do crescimento que essa criança possa ter. É o que tem de mais evidente na literatura”, afirma.

Apesar de não ser sua linha de pesquisa, a especialista cita ainda estudos com medicação e ressalta que a toxina botulínica, que em alguns casos é aplicada em adultos, não é indicada para crianças. (Colaborou Micaela Orikasa)