A empresa americana Davati Medical Supply, que confirmou na CPI da Covid que ofereceu 400 milhões de doses de AstraZeneca ao Ministério da Saúde e cujo vendedor denunciou à comissão pedido de propina de pagamento de US$ 1 dólar por dose do governo federal, procurou a prefeitura de Londrina para oferecer vacinas. Segundo o secretário municipal de Gestão Pública, Fábio Cavazotti, os contatos começaram a partir de fevereiro ou março, quando a entrega de vacina teve início. Ele relata que na época foi aprovada uma lei federal que permitiu a estados e municípios a compra da vacina. “A gente começou a ser procurado por um monte de gente de empresas dizendo que tinham a vacina. Essa Davati foi uma. Quando eu vi o nome lá na CPI eu me lembrei e dei uma olhada aqui”, afirma ele à FOLHA.

O secretário de Gestão Pública de Londrina, Fábio Cavazotti, revelou que a Davati chegou a procurar a Prefeitura de Londrina para oferecer vacinas.
O secretário de Gestão Pública de Londrina, Fábio Cavazotti, revelou que a Davati chegou a procurar a Prefeitura de Londrina para oferecer vacinas. | Foto: Gustavo Carneiro/6-12-2018

Cavazotti relata que chegou a conversar on-line com umas três ou quatro empresas que possuíam um modo de agir semelhante e sempre as questionou se essas pessoas possuíam um documento que comprovasse que representavam o laboratório, mas em nenhum momento isso foi entregue. “Eles falavam que entregavam para um monte de cidade”, diz. No entanto, quando o secretário pedia o nome das cidades em que efetivamente já teriam recebido as vacinas, não havia essa resposta, apenas que a carga seria entregue na outra semana.

“Enfim, eles não entregaram vacina em lugar algum. Não tinham qualquer tipo de documentação. As conversas eram muito estranhas”, ressalta Cavazotti. “O site da empresa tinha todo jeitão de coisa estranha. Uma empresa que se apresenta como uma trading mundial apresentava apenas um endereço, um e-mail e um telefone. O site da empresa não apresentava vacina para Covid no portfólio! Só máscara, luvas e outros produtos assim”, destaca o secretário.

“Eu entendi que não havia a menor viabilidade de sequer prosseguir com um contato formal sem que houvesse da parte dele as credenciais mínimas para que a gente pudesse negociar. Foi o que aconteceu com a Davati. Essa é uma que estava oferecendo a vacina AstraZeneca. Eu cheguei a ter uma reunião on-line que terminei dizendo: 'olha, eu preciso dos documentos. Ou vocês mostram o documento que vocês representam a AstraZeneca, senão a gente não tem como conversar'. A partir dali me mandaram muitos WhatsApp”, destaca Cavazotti.

VEROSSIMILHANÇA

Quando o suposto representante questionava se Londrina não tinha interesse na vacina, o secretário respondia que tinha muito, mas que aguardava a procuração deles que os credenciasse como representantes legais dos laboratórios. “Obviamente nunca veio nada”, ressalta. “Não achamos crível desde o início. Não apresentava verossimilhança. Com ausência da documentação nós nem fomos em frente e realmente hoje está demonstrado aí que não eram empresas idôneas”, pontua.

Quando essas empresas começaram a aparecer, Cavazotti redigiu um ofício que foi assinado com o prefeito como chefe do executivo e que foi encaminhado para os laboratórios AstraZeneca, Pfizer e Johnson perguntando se elas poderiam negociar a vacina direto com município de Londrina e, se não tivesse a possibilidade, havia algum representante autorizado por essas empresas para conversar. Eles responderam que não vendiam para municípios e que não tinham representantes no Brasil para realizar essa operação. “Isso nos deu mais segurança para a gente de que não era algo sério. Havia muitos indícios disso”, declarou o secretário.

“Foi uma onda e agora passou. Já faz uns 30 ou 40 dias que isso morreu, mas durante uns 60 dias a gente era procurado constantemente”, destacou. “Foi muito parecido com o que ocorreu no início da pandemia, com os testes rápidos. Quando começou a pandemia tinha aquela questão do teste rápido e a gente foi no mercado buscar, mas não tinha fornecedor sério autorizado”, relembra Cavazotti.

Questionado se o fato de ser jornalista e ter presidido o Observatório de Gestão Pública de Londrina o ajudaram a identificar a falta de idoneidade dessas pessoas, ele responde que sim. “Tem um feeling ali de perceber se quem está diante de você é uma empresa séria, com experiência, ou uma empresa que não tenha uma grande experiência, mas que está aqui iniciando e começando um trabalho.”

Cavazotti relata também outro caso, de um representante de uma empresa denominada United Products, que chegou a solicitar um depósito antecipado pelas vacinas. O representante chegou a ter uma reunião on-line com Cavazotti, que recusou a oferta diante da falta de credenciais desse sujeito como procurador dos laboratórios. Diante da suspeita, Cavazotti encaminhou o caso para o Ministério Público.

OUTRO LADO

A reportagem tentou entrar em contato com as pessoas mencionadas pelo secretário como representantes dos laboratórios, mas elas não atenderam as ligações e nem retornaram o e-mail solicitando a entrevista.