A bisavó do meu filho tem hoje 96 anos, ela nasceu no dia 08 de outubro de 1924, quase no mesmo dia do mês da atual Constituição. Contudo, o que a liga ao tema da constituição não é isso, mas sim o fato de que ela viveu sob a vigência de 7 (sete) das 8 (oito) constituições brasileiras. Eu adoto a teoria de que a emenda constitucional nº 1/69 é, na verdade, uma nova constituição e não uma emenda.

A vida da bisa evidencia aquilo que, vez ou outra, surge como solução para os problemas sociais em terra brasilis, a troca da constituição. O Brasil consegue a façanha de ter 8 (oito) constituições em menos de duzentos anos de existência institucional, o que dá uma média de uma constituição a cada 23 anos e meio. Nenhum país consegue se afirmar dessa forma, as instituições não têm tempo de amadurecer.

Mais ou menos na mesma linha da ex-presidente Dilma, o atual líder do governo, deputado Ricardo Barros, defendeu publicamente a convocação de uma nova assembleia constituinte. Os argumentos da proposta e, ao que parece, a capacidade de fazer sinapse, lembram muito a petista, aliás, para se fazer justiça, os argumentos agora “evoluíram” para um “a constituição tem muitos direitos e poucos deveres” acompanhados de “Sarney já havia dito que a constituição tornaria o país ingovernável”.

A proposta revela um golpismo próprio da nossa história. Em lugar de aproximar a realidade ao texto constitucional, prefere-se abandonar o texto da lei maior brasileira e apegar-se a uma realidade malvada, triste e pobre da maior parte da população brasileira. Ainda somos um país em construção, mas a construção jamais terminará se a cada percalço houver uma demolição para começar tudo de novo.

A proposta é descabida, não tem espaço e nem sentido. Temos uma constituição ótima plenamente realizável e, diga-se, já em muito realizada. Mas o que é ainda pior é o argumento de que a “nova constituição” deve estar repleta de deveres, ao contrário da atual, que possui “muitos direitos”. No sistema atual, os direitos são dos indivíduos frente ao Estado. Estado este criado por nós, o povo. O que parece encantar esta patota golpista é exatamente o sentido contrário, os indivíduos é que devem ter deveres para com o Estado, como se o criador se dobrasse à criatura. No imaginário dessas pessoas, ter direitos frente ao Estado o torna ingovernável, é um absurdo, bom mesmo é ter deveres, obrigações, servidão voluntária (Boétie).

É bom lembrar que o Estado é, na verdade, uma ficção que se materializa em bens e em pessoas que ocupam cargos e empregos públicos, incluindo aí os cargos políticos. Quando se fala em deveres, o que querem é que a população sirva aos políticos de plantão e não ao contrário, como bem estabelece esta constituição, ao deixar evidente que todo o poder emana do povo.

A bisa do Dudu viu constituições democráticas, autoritárias, ditaduras civis e militares, presenciou Getúlio Vargas, Juscelino e os Militares, viu a redemocratização e a queda de dois presidentes democraticamente eleitos. A atual Constituição é a terceira mais duradoura da nossa história. Queira o destino que o meu filho possa viver sob a égide de apenas esta, democrática, eclética, repleta de garantias fundamentais, protetora dos idosos, crianças, índios, quilombolas, negros, brancos, estrangeiros, do meio ambiente, da cultura e do lazer. Temos uma baita constituição.

Uma constituição comprometida com a solução pacífica dos conflitos e com a dignidade humana deveria ser protegida e defendida sempre, mas ao contrário disso, não parecem dormir aqueles que golpeiam a constituição cidadã, contudo, não passarão! Vida longa à constituição, vida longa à democracia.

Flávio Pierobon é advogado e professor universitário