A redação “Minhas férias” é um clássico no retorno à volta às aulas, principalmente as de verão - mais extensas e propícias a viagens e reencontros. Com simplicidade, mas detalhes que conduziam o leitor às férias do colega, cada um lia a sua, em voz alta – numa tarefa que a professora propunha tanto para aquecer os dedos há meses parados, como compartilhar as experiências do grupo e exercitar a oralidade. O bolo favorito feito pela avó do interior, a viagem com os primos para o sítio e as caipirices de quem vive na cidade e não sabe a diferença de pato pra ganso. Com timidez e poucas palavras, Tamires trouxe à sala de aula, areia, sal e um pedacinho do mar. Foi sua primeira vez diante da imensidão que só via em filmes e o seu relato causou emoção à professora. Conta que chegou de noite ao litoral e o os pais fizeram questão que fossem molhar os pés. A maresia, o quebrar das ondas e a espuma feita pela força da água ganharam as linhas pautadas do caderno de redação e também a memória de muitos – dada a intensidade do relato e a alegria da menina.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Tema da redação: minhas férias
| Foto: Marco Jacobsen

Em 2021, o retorno às aulas é imprevisível. Online, presencial, híbrido? A pandemia causada pelo Covid-19 impôs distanciamento, reclusão e um modo diferente de estudo para alunos de todas as idades desde o início do ano letivo de 2020. A sala de aula foi parar nas telas e o empenho de educadores, pais e responsáveis fez a diferença.

As férias também foram diferentes. A maioria não viajou e os menores nem podiam passear. Tudo por uma questão de segurança. As escolas seguem fechadas. Uma escola vazia vi uma vez. É algo triste. Um silêncio que incomoda e uma falta de gente que traz vazio. “É corredor, mas foi feito para andar”, repetia professor Water Okano, aos mais agitados. Como jornalista, fazia a revista do Colégio, a Ensaio e acompanhava as atividades dos educandos. Alimentava o site, fazia fotos e aprendia um bocado com as aulas e até os intervalos.

Certa vez, fui interceptada no corretor pela inspetora: “Menina, o que você tá fazendo fora da sala de aula?” O enquadramento veio como elogio. A pequena repórter então se apresentou, estava com as mamas carregadas de leite, Marcela tinha cinco meses e volta ao trabalho foi especial em uma escola. Circulava pelas salas de aula, aos passeios como aos supermercados onde aprendiam a ver o valor dos impostos e o que o dinheiro podia comprar. A responsabilidade, a matemática, a educação em locais públicos e a Educação para o Pensar – uma disciplina que talvez possa ser comparada à Educação Moral e Cívica - eram interdisciplinares e colocadas em prática.

Foi na biblioteca que conheci a Bruxa Onilda, personagem que tinha uma coruja de estimação. Tia Claudete fazia os empréstimos e eu lia para Marcela na sala. Éramos eu e ela. Sem televisão, sem celular, a leitura virou nosso motivo de encontro e desde os seis meses e um momento especial de interação. Perto de fazer um ano, as professoras Walderez e Waldeliz me chamaram a uma sala: presentearam Marcela com um clássico dos contos de fada: o capa dura e ilustrado virou brinquedo na mão da mãe de primeira viagem e do sofá, decolávamos e esquecíamos as horas. “Ela olhava para as figuras fixamente, ora para meus lábios e com a mãozinha, sinalizava que já podia virar a página. Era na biblioteca da escola também que ficava a Folha de Londrina. Às sextas, uma grande roda se voltava em torno da mesa para ver a coluna social e a Folha da Sexta, descontinuada.

Eu sinto muita alegria por ter trabalhado dentro de uma escola. Vi crianças que não conheciam cenoura com casca e descobriram na hora de preparar a sopa com a professora, que a batata vinha da terra. Sopa caseira, tie dye, ikebana feito pelos avós e tantas festas no ginásio, como aquela que valorizava a cultura paranaense ao servir o barreado. Curiosamente, 10 anos mais tarde, virei colega do jornalista Rafael Ceribelli na Folha de Londrina, que conheci no Colégio Universitário, sobretudo nos festivais de música- Femuni. Eduardo Assad, quem diria, integrante da Senhor Bonifácio, conheci lá também, 17 anos atrás. Como amadureceram os meninos.

A vida segue, Ricardinho fez Direito e hoje é chefe do Gaeco. Filhos de médicos como Carol Nassif seguem nas profissões dos pais, Celso Fernandes e Olívia, esta falecida em 2019. Numa das reuniões, contou que Carol só ganhava uma roupa nova se tirasse outra do armário. A patinação e em outras apresentações, lá estava o Doutor Celso com sua câmera registrando os filhos. Das poucas vezes que vi o colégio vazio, senti falta de tudo: das conversas, da simplicidade das crianças lanchando e dividindo frutas, tapioca e pão com margarina. Nem eram meus anos letivos, mas foram como uma pós-graduação: em relacionamento, leitura e aprendizado. Conheci o psiquiatra Ivan Dutra, Pierluiggi Piazzi, falecido em 2015. Fotografei professor Water ao lado de sua árvore favorita, um pé de manacá, que ilustra a obra Olho no olho da jornalista Teresa Godoy. Os diretores Alderi, Machadinho. Marvulle e Water, cada um em seu melhor papel eram unidade.

Walkíria Vieira é repórter na Folha.