Casa sempre foi definição de moradia, conforto e família. Porém, com a pandemia do novo coronavírus, casa tem tomado também os significados de escritório, trabalho, escola, lazer e isolamento. A quarentena restringiu o espaço de atividades cotidianas a nossos lares. Porém, para quem dependia do deslocamento para trabalhar, surgem novos desafios. Muitas vezes o home office não é uma solução tão simples, porém, alguns profissionais souberam inovar e adotaram novos projetos em suas carreiras.

Um ensaio fotográfico, por exemplo, como pode ser feito se fotógrafo e fotografado não estão juntos?

Uma nova tendência no mercado de fotografia trouxe muita curiosidade para as redes sociais, os ensaios por vídeo-chamada. São muito semelhantes aos ensaios tradicionais: o fotógrafo escolhe a melhor luz e cenário e faz os cliques enquanto seu modelo posa. O diferencial é que as duas partes estão distantes e se comunicam apenas pelos celulares ou computadores. Cabe ao fotógrafo dirigir e orientar seu fotografado para que este posicione seu celular, assim como a si mesmo. O resultado da composição é vista apenas por uma tela.

Tainá Claudino e Ana Carolina Wotmeyer  no clique de Rafael Fontana
Tainá Claudino e Ana Carolina Wotmeyer no clique de Rafael Fontana | Foto: Rafael Fontana (Arquivo Pessoal)

Rafael Fontana, especializado em fotos de casamentos, conta que no princípio do período de isolamento, a realidade foi terrível. Dos cerca de 40 casamentos que cobria por ano, apenas quatro eram em Londrina. Para os restantes, Rafael estava sujeito a viagens para fora do estado e até mesmo do país. Com a quarentena, os eventos estavam sendo desmarcados. Foi então que Fontana viu o novo modelo como uma valiosa oportunidade para não parar suas atividades.

Matheus Perine e Rafael Maximo num ângulo criativo
Matheus Perine e Rafael Maximo num ângulo criativo | Foto: Rafael Fontana (Arquivo Pessoal)

Desde então, tem retratado famílias em suas casas à distância. Como todo novo projeto, esse também não é fácil, admite o fotógrafo: “Vai ser uma aventura para mim, como profissional, porque a minha criatividade vai ter que ser muito alta”.

Pelo lado do fotografado, a tarefa também se complica. A modelo e atriz Ana Paula Curotto teve a oportunidade de participar de um ensaio digital com fotógrafa Maria Alice de Oliveira. Enquanto Ana posava de sua casa em Londrina, Alice fazia seus registros de Assis. O fato de ser a modelo a ajustar o ângulo da câmera e ainda ser dirigida remotamente gerou estranhamento. Porém, foram justamente as novas linguagens criadas pelo ensaio que tornaram a experiência tão enriquecedora. Ana entende que a situação demanda que os artistas reinventem sua maneira de enxergar as coisas simples: “Comecei a ter ideias que nem teria tido se não fosse a quarentena. Você começa a pensar nesse isolamento e você tem que lidar com a sua própria casa, com você mesma. ‘Minha casa esta bagunçada’ - Que bom que está bagunçada! Use essa bagunça para ser o seu sentimento, o seu motivo de estar fazendo isso”.

 Ana Paula Curotto fotografada por Maria Alice de Oliveira: modelo estava em Londrina e a fotógrafa em Assis (SP)
Ana Paula Curotto fotografada por Maria Alice de Oliveira: modelo estava em Londrina e a fotógrafa em Assis (SP) | Foto: Maria Alice de Oliveira (Arquivo Pessoal)

O que ocorre é a ressignificação de elementos e relações entre o habitante e o lar. Rafael fotografou até mesmo um casamento caseiro. Os noivos trajados em sua sala, a cerimonialista conectada em um tablet, e o fotógrafo disparando de sua casa, evidenciando que a pandemia traz à tona a questão de estar junto. O artista consegue captar as mudanças de comportamento de seus fotografados durante os ensaios: “nesse momento, começam a acontecer fotos mais espontâneas, porque eu estou direcionando a pose, mas é muito difícil reproduzir o que eu estou falando só com a minha voz. Eles começam a dar risada, a se divertir. É maluco isso, parece que se desliga de um momento tenso, vão para um lado divertido”. E nessa diversão, ocorrem os melhores resultados, além de trazer a arte como válvula de escape para o isolamento.

Imagem ilustrativa da imagem Fotografias à distância: a arte no isolamento
| Foto: Rafael Fontana (Arquivo Pessoal)

É consenso entre Ana e Rafael que essa forma de trabalho é uma tendência momentânea e vai passar. Porém, ambos concordam que as coisas não voltarão a ser como eram antes. O fotógrafo prevê que até mesmo uma renovação de todos os equipamentos seja necessária, de modo que se prefira lentes com zoom mais potente a fim de manter uma distância segura entre o artista e os modelos.

Mas por enquanto, os criadores de conteúdo aproveitam os recursos disponíveis e partilham na rede seus resultados, de forma a mostrar a seus colegas que é possível, dentro de limitações, ser produtivo em tempos de isolamento. Destacam ainda que a qualidade técnica do produto fica em segundo plano. O retrato fiel da realidade é o protagonista nesse registro artístico e também histórico.

OUÇA A ENTREVISTA NO FOLHACAST

Folha de Londrina · ENTREVISTA - Os ensaios fotográficos à distância