São Paulo - O economista, ex-ministro e ex-deputado Antonio Delfim Netto morreu nesta segunda-feira (12), em São Paulo. Ele estava internado havia uma semana no Hospital Israelita Albert Einstein, segundo sua assessoria de imprensa, por complicações no estado de saúde.

Delfim deixa filha e neto. Não haverá velório aberto ao público e o enterro será restrito à família.

Ele foi uma figura complexa. O ministro que assinou em 1968 o AI-5, e era único ainda vivo entre os signatários do ato que inaugurou os Anos de Chumbo no país, foi também o deputado federal que, 20 anos depois, chancelou a Constituição de 1988, considerada uma das mais democráticas do planeta.

Foi o homem forte dos generais durante o regime militar (1964-1985) e, quase duas décadas depois, um dos principais interlocutores de Lula nos dois primeiros mandatos do ex-metalúrgico.

O economista e professor da USP soube se reinventar ao longo da carreira. Dizia em vida ter sido três: o primeiro, um socialista fabiano, adepto do movimento inglês surgido no século 19 e que defendia a implantação do socialismo por meio de reformas graduais. O segundo, o homem do governo militar. E o terceiro, o que contribuiu no fim da vida com as políticas sociais do primeiro governo Lula (2003-2010).

Sua projeção nacional começou em 1967, quando se tornou, aos 38 anos, o mais jovem ministro do país. Assumiu a pasta da Fazenda de Costa e Silva para só deixá-la em 1974, no fim do governo Médici. No período, ganhou a fama de "czar da economia brasileira". Nos 21 anos de ditadura, comandaria por 13 deles a economia do país.

Alçado do cargo de secretário da Fazenda de Laudo Natel, em São Paulo, era descrito como um negociador habilidoso que demolia argumentos contrários com humor e amaciava seus críticos.

Em sua primeira temporada como "mandachuva do governo", o país viveu de 1969 a 1973 o período conhecido como "milagre econômico". As taxas de crescimento registradas naquela época eram superiores a 9% ao ano.

Logo ao assumir o cargo, Delfim anunciou o tabelamento e a redução da taxa de juros e a ampliação do crédito para combater a inflação e acelerar o crescimento. Também aumentou o gasto público e incentivou o investimento privado nas indústrias.

De 1968 a 1973, sob o slogan de "exportar é o que importa", o PIB do país cresceu 11,1%, a inflação caiu 19,2%, e o poder aquisitivo da classe média se expandiu. Foi a época de obras grandiosas, como a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e Itaipu.

Mas nem tudo foram flores para o ministro. A dívida externa aumentou quatro vezes, o valor real do salário mínimo caiu, e a população mais pobre viu despencar sua participação na renda nacional. Delfim passou a ser acusado de "adulador de banqueiros" e responsável direto pelo arrocho salarial e pela recessão.

Ligeiramente estrábico e gordo, era vítima fácil dos cartunistas. O que não o incomodava. Desde 1967, colecionava charges que o representavam e mantinha algumas na parede do escritório.

Emérito fazedor de frases e famoso por ser irônico e mordaz em seus comentários, dizia que "dívida não se paga, se administra". E negava ser sua a frase: "Primeiro é preciso fazer crescer o bolo, para depois reparti-lo", que sempre lhe atribuíram.

Em 1978, poucos anos após o fim do milagre, o economista admitiu que o modelo adotado em sua gestão não levara em conta a participação da sociedade, agravando a distribuição de renda. "Nós nos distanciamos demais do povo", afirmou certa vez.

Para alcançar o que desejara, Delfim tivera ampla liberdade para mexer na economia. "Usei as condições dadas pelo AI-5 para baixar um decreto-lei com praticamente toda a reforma tributária que eu queria fazer e mais uma porção de medidas importantes", disse em 1998.

O ministro participara da elaboração do ato que fechou o Congresso e suspendeu o habeas corpus para presos políticos. Na assinatura do AI-5, chegou a dizer que não o considerava suficiente.

Em junho de 2013, em depoimento à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, reafirmou o que já havia dito em 1998: não se arrependia do voto. "Nas condições de informação que tinha naquela hora, eu repetiria meu voto. Ninguém poderia imaginar a barbaridade da tortura", afirmou em 1998.

CARREIRA

Paulistano, neto de imigrantes italianos, Delfim era filho de um funcionário da CMTC, empresa de transportes da Prefeitura de São Paulo, e de uma costureira. Começou aos 14 anos como contínuo na Gessy Lever.

Estudou contabilidade e pensou em ser engenheiro. "Mas o curso levava muito tempo e eu precisava me formar logo para me sustentar. Acabei virando economista", contou numa entrevista.

Em 1948, entrou em economia na USP e passou a trabalhar como escriturário no DER (Departamento de Estradas de Rodagem). Formado em 1951, logo virou professor assistente. Com a tese "O Problema do Café no Brasil", iria se tornar em 1958 professor catedrático de economia brasileira da USP.

Antes de enveredar para a política, foi ainda vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil e assessor da Associação Comercial de SP.

Também atuou junto ao governo paulista (na equipe de planejamento e como secretário da Fazenda) e ao governo federal: integrou em 1965 o Consplan (Conselho Consultivo de Planejamento).

Sua primeira experiência como ministro durou até a chegada do general Ernesto Geisel à Presidência, em 1974. Delfim deixou a pasta com pretensões de se candidatar ao governo paulista. O presidente, porém, tinha outros planos para São Paulo: Paulo Egydio Martins.

"Eu queria ser governador e estaria mentindo se dissesse que não fiquei aborrecido [com a decisão de Geisel]. Mas me acho muito mais feliz por ter sido embaixador. Não teria lido metade do que li", disse numa entrevista em 1991. Preterido no comando do governo paulista, foi convidado para assumir a Embaixada do Brasil na França, onde ficou até 1978.

O período como embaixador lhe renderia uma acusação, no que ficou conhecido como o "caso do relatório Saraiva". Raimundo Saraiva Martins, um coronel da reserva que foi adido militar na França, acusou-o de cobrar comissões ilegais em contratos de venda de equipamentos franceses para hidrelétricas brasileiras, mas nunca apresentou provas. Delfim o processou por calúnia.

Sua volta ao governo se deu em 1979, com nova alternância no comando do país. Virou ministro da Agricultura de João Figueiredo, mas ficou pouco no cargo: cinco meses, para na sequência assumir a Seplan.

Tornou-se ministro do Planejamento numa situação bastante adversa. Foram marcas do período as altas taxas de inflação, a recessão, o aumento da dívida externa e da miséria. Contestado no cargo, permaneceu até o fim. Em 15 de março de 1985, quando José Sarney assumiu a Presidência, Delfim deixou a Seplan.

Em meados daqueles anos 80, veria seu nome envolvido em outro escândalo: o caso Coroa-Brastel. Foi acusado de desviar recursos na liberação de empréstimo da Caixa Econômica Federal ao grupo Coroa-Brastel. O caso foi julgado no STF (Supremo Tribunal Federal), e Delfim, absolvido.

CINCO VEZES DEPUTADO

Depois de ter comandado a campanha vitoriosa de Jânio Quadros para a Prefeitura de São Paulo, Delfim foi eleito em 1986 deputado federal pelo PDS. Na época, defendia o bipartidarismo e o voto distrital. Até 2007, atravessaria os governos Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula em cinco mandatos consecutivos pelos partidos PDS, PPR, PPB, PP e PMDB.

Foi crítico do governo Sarney e do plano Cruzado. Em 1992, votou a favor da abertura do processo de impeachment do presidente Collor. No governo Itamar, considerou eleitoreiro o lançamento do plano Real. Chegou a elogiar as políticas de privatização de FHC num primeiro momento, mas criticava a política de juros altos do governo e chamou o tucano de o "Exterminador do Presente".

Opôs-se à emenda da reeleição, dizendo que o país poderia viver um "caudilhismo civil". Dizia que FHC quebrara o país em 1998, ao recorrer ao FMI, e em 2002, levando o setor privado à falência.

AMIGO DE LULA

Em 2002, aproximou-se de Lula e anunciou apoio ao candidato no segundo turno, disputado contra José Serra (PSDB). Com a vitória do petista, tornou-se interlocutor do presidente e chegou a ser cotado para assumir ministérios, o que nunca ocorreu.

De 2007 a 2009, integrou o conselho curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Brasil, cria do petista. Em setembro de 2009, afirmou: "Lula salvou o capitalismo brasileiro".

Afastado dos cargos públicos, continuou contribuindo com as discussões sobre a economia brasileira. Colaborou com a Folha de S.Paulo, com o jornal Valor Econômico e com a revista Carta Capital.

Manteve ainda um escritório de assessoria econômica chamado Ideias, com o sócio Paulo Yakota. Respeitado por alguns como economista, desagradava outros por ter sido ministro da ditadura. Em 2000, um estudante tentou acertá-lo com uma torta durante um seminário na USP.

Em 2011, anunciou que doaria para a universidade os 250 mil livros de sua biblioteca. "Eu estou ficando velho, e a USP vai continuar", disse.

Foi casado com Mercedes Saporski Delfim, morta em 19 de maio de 2011, aos 93 anos. Teve uma filha, Fabiana Delfim, e um neto, Rafael.